O sentimento de pertença é o que distingue o Homem da máquina, afirmando-se no instinto de organização e na força do coletivo. Famílias, equipas de trabalho, comunidades ou até partidos políticos – tudo converge para o desejo de inclusão, de encontrar um lugar, um sentido para a vida, um eixo que nos mantenha no mapa. Mas, num mundo em convulsão, onde o digital dissolve fronteiras e a solidão cresce, o que significa, afinal, pertencer?

Abertura e reflexão: o sentimento de Pertença e as Power skills
Na Leading People International HR Conference, ontem, no Centro Cultural de Cascais, a artista JoLy Bmore, entre uma alma e técnica hipnotizantes, começou por oferecer um intervalo ao pensamento, deixando que o corpo e a mente despertassem para as grandes questões. A vivermos uma nova era dos Recursos Humanos, onde pessoas e organizações são parte do caminho para o futuro, mais de 20 oradores aceitaram o desafio: ‘Let’s Think About Us – People and Purpose’. Ana Filipa Nunes, host do evento, deixou a pergunta: e se as vossas empresas fossem espaços abertos – um laboratório de identidades?
Bianca Crivellini Eger, Professora Assistente na Nova SBE, abriu o palco, com ‘Belonging in a Fragmented World: Identity, Purpose and the Workplace’, desafiando a ilusão corporativa de que um profissional deve caber numa só identidade. Com conhecimentos etnográficos explicou o que acontece quando se transporta isso para dentro das empresas. A pertença, disse, não se impõe – constrói-se no espaço entre a aceitação e a liberdade, pois «todos temos múltiplas identidades, e pertencer é criar um espaço laboral que permita a cada um ser livre», concluiu.

Filipe Santos Seixas, Business Development Director do ISQe, foi quem seguiu para o microfone e deslindou que a integração das diferenças não é matemática simples, nem fórmula exata. É fluida, desenhada nas entrelinhas do comportamento humano. ‘PowerSkills: The Talent Evolution in the Human-Centric Era’ foi o nome da talk, mas podia bem ser um aviso. As soft skills morreram – agora são power skills. Comunicação, empatia, jogo de cintura. No fim, não é sobre o que sabemos, mas sobre como nos movemos no mundo. Mas há quem possa ajudar. Para Filipe Seixas «os líderes devem agir como facilitadores de talento».

Práticas Reais e o Desafio da Diversidade
Em seis anos, Portugal, viu o número de estrangeiros duplicar- tendo agora mais de um milhão de pessoas que chamam a este canto da Europa casa. Mas acolher é só o começo. As premissas são: como se convive com as diferenças? Como se atraem talentos sem deixar que os melhores saiam pela porta dos fundos?
‘Migrações e Talento: Desenhar um Roadmap de Soluções’ não foi apenas o nome do painel, mas o dilema de uma nação que quer ser aberta e cosmopolita sem perder o fio à segurança, à qualidade de vida, à produtividade. Há desafios. Há oportunidades. E houve um palco pronto para os discutir.

Pedro Portugal Gaspar (Presidente do Conselho Diretivo da AIMA), António Calçada de Sá (Presidente da Direção do Conselho da Diáspora Portuguesa), Susana Correia de Campos (Employee Relations Global Director da Jerónimo Martins) e Pedro Ginjeira do Nascimento (Secretário-Geral da Associação Business Roundtable Portugal) sentaram-se à mesa. A jornalista Catarina Marques Rodrigues conduziu a conversa.
Pedro Portugal Gaspar apontou «ser necessário conjugar a integração com a distribuição dos imigrantes no território», desempenhando a AIMA um papel fundamental na articulação com autarquias e instituições. Susana Correia de Campos frisou a importância do trabalho nos horizontes de quem chega. «Não existem pessoas sem capacidades, existem pessoas sem oportunidades», afirmou.
Já Pedro Ginjeira do Nascimento acredita que «Portugal tem sido um bom país de acolhimento», mas alertou para uma nova realidade. «A velocidade do volume migratório e a diversidade cultural são desafios. Se mal gerido, o país não cresce».
Nesse seguimento, António Calçada de Sá trouxe uma imagem para o debate. «Os antigos emigrantes partiam com a mala cheia. Hoje, levam o currículo num braço, o iPad no outro e uma bolsa pequena nas costas». Sair é bom, mas importa manter a ligação. «O nosso trabalho é criar essa rede, alargar a pirâmide. Quando o conseguirmos fazer, perceberemos como algumas diásporas funcionam».
A manhã chegou à última talk da primeira parte, onde a diversidade e o poder das diferenças voltaram a ser exaltados como motor da verdadeira liderança. Anel Imanbay, organizadora do TEDxMarvila, foi perentória. «As verdadeiras conexões acontecem quando aceitamos a riqueza das nossas diferenças. É aí que crescemos e caminhamos para um destino de sucesso, fora da zona de conforto». ‘Unlocking the Power of Differences’ não foi apenas uma talk, mas um verdadeiro call to action, lembrando-nos de que a riqueza da diversidade não é apenas algo para se celebrar, mas sim para ser explorado, impulsionando a inovação e a liderança do futuro.

O Futuro do Trabalho: a implementação da Semana de Quatro Dias
Após o coffee break de trinta minutos, a sala recebeu Rita Fontinha com grande expectativa. Professora na Henley Business School e Diretora de Investigação no World of Work Institute, trouxe à discussão um tema que já havia sido lançado três anos antes: a Semana de Quatro Dias de Trabalho.
Em 2022, Pedro Gomes, economista da Birkbeck Business School, apresentou a ideia no palco da Leading People, uma proposta que rapidamente conquistou a Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, promovendo a implementação de um projeto-piloto em empresas portuguesas e que viria a servir de modelo para outros países.
Hoje, com o ‘Starter Pack da Semana de 4 Dias’ em mãos, Rita Fontinha revelou os resultados dessa jornada e os próximos passos para um futuro mais flexível no trabalho. «Melhorias operacionais, aumentos dos lucros, menos absentismo e aumento da visibilidade da empresa» foram algumas das vantagens mencionadas.

O impacto das Migrações e o Futuro das Organizações
Após os números, o palco recebeu o debate ‘Acolher e Incluir: As Melhores Práticas’, uma imersão em soluções concretas para criar ambientes de trabalho que não só acolhem, mas celebram as diferenças.
Marta Reis (Capgemini Portugal) sublinhou a importância de olhar para cada colaborador como único, adaptando as necessidades da empresa a diferentes perfis. Garantiu também que «a utilização de KPIs é essencial para assegurar resultados e medir o impacto da diversidade».
Já Pedro Ribeiro, do Super Bock Group, reconheceu que a cultura da sua empresa esteve, durante muito tempo, focada no lado operacional, e que a inclusão entrou mais tarde. «Mas entrou», garantiu. O grande desafio, disse, passa por ajustar essa cultura para que todos se sintam integrados. «Ajudamos cada pessoa a crescer conforme a sua ambição».
Para Clara Celestino , a diversidade está no ADN da sua empresa. De facto, a Hovione foi fundada em 1959 em Portugal por Ivan e Diane Villax, juntamente com os refugiados húngaros Nicholas de Horthy e Andrew Onody. Por essa razão, afirma haver cariz «explícito, mas também implícito no que toca à diversidade» da sua empresa. Além disso, a diferença entre trabalhadores é «fundamental para resolver problemas complexos, impulsionando o crescimento organizacional», concluiu.

Por sua vez, Bernardo Samuel (Adecco) trouxe um exemplo prático: «É bonito falar de inclusão, mas o essencial é aplicá-la.» A Adecco empresa tem integrado ex-presidiários, analisando não só as suas competências anteriores ao encarceramento, mas também as que desenvolveram nesse período. «Além da técnica, avaliamos o encaixe cultural: valores, liderança, perfil.»
Moderados por Rita Rugeroni Saldanha (Revista Líder), os convidados mostraram que, em tempos de transformação, a inclusão vai além da teoria. É um catalisador de crescimento e sucesso organizacional.
Após uma manhã intensa de debates sobre diversidade e inclusão, o foco, antes do almoço, virou-se para o bem-estar nas organizações. Na entrevista ‘Repensar o bem-estar: o desafio das organizações’, Joana Queiroz Ribeiro, responsável de Pessoas e Organização da Fidelidade, explicou por que é crucial repensar o conceito de bem-estar nas empresas e como isso impacta diretamente o futuro das organizações. «A longevidade tem de ser falada e as empresas têm de apoiar e ajudar a criar caminhos para cada um dos trabalhadores». A entrevista foi guiada por Ana Filipa Nunes.

Mais tarde, conversou-se sobre um tema que se impõe cada vez mais na agenda global. Segundo o World Economic Forum, até 2030, 170 milhões de novos empregos serão criados, enquanto 92 milhões de funções desaparecerão, numa reconfiguração profunda do mercado de trabalho.
Ana Mendes Godinho e Pedro Mota Soares, ex-ministros do Trabalho, trocaram ideias sobre o futuro da governação, no painel Políticas Laborais: Estado da Arte e Rotas de Futuro, moderado por Paulo Ferreira (Rádio Observador). A conversa centrou-se nos desafios da retenção de talento, na adaptação das leis às novas formas de trabalho e na necessidade de equilibrar proteção social e inovação.

Ana Mendes Godinho destacou que «o talento é o bem mais disputado do mundo» e que «valorizar salários e a participação ativa dos trabalhadores é o primeiro passo para um modelo mais justo de distribuição da riqueza». Para Pedro Mota Soares, o medo da transformação digital é exagerado, lembrando que «há previsões que falham» e que «as políticas públicas têm de acompanhar a mudança sem cair na armadilha da regulamentação excessiva».
Num mundo laboral em constante evolução, o painel deixou claro que a legislação e as práticas empresariais devem adaptar-se a um cenário de inovação, sem perder de vista a proteção dos trabalhadores.
Antes do almoço, Joly Bmore voltou ao palco para mais uma atuação intensa, crua, sem rodeios, com atacadores vermelhos atados a umas botas que seguram um corpo cheio de voz. E alma. Para quem ouviu, foram cinco minutos de presença absoluta, onde as cordas vocais e o ritmo não deixaram espaço para distrações.

Conversas na Gandarinha: Abertura Institucional e Migrações
Antes do almoço, ocorreu a Abertura Institucional, depois de Filipe Vaz, CEO da Tema Central, apresentar alguns eventos já calendarizados, como o Leadership Summit Portugal 2025, que terá lugar no dia 25 de setembro no Casino do Estoril.
Depois, a cargo de Nuno Piteira Lopes, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais, sobraram palavras afetuosas sobre a organização do evento e ainda uma nota para o papel das lideranças. «É preciso mais coragem e transparência. Os líderes têm de ser os melhores dos melhores para ultrapassar todos os problemas que estamos a atravessar no mundo»

Após o almoço, Paulo Ferreira entrevistou, a respeito do painel fundamental – Migrações e o Desafio da Diversidade – O que Devemos Compreender –, António Vitorino. O Presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo alavancou uma perspetiva profunda sobre a integração de migrantes em Portugal. Nas suas palavras «a grande força da migração é o mercado de trabalho» referindo-se à necessidade urgente de repensarmos o papel dos migrantes na sociedade portuguesa. Usando o Canadá como exemplo, destacou os critérios exemplares de integração que o país aplica, contrastando com os modelos europeus, muitas vezes geridos por ministérios com «uma abordagem securitária».

Sublinhou também a importância de garantir a circulação de talento, denunciando que a resistência corporativa impede que alguns migrantes qualificados integrem as suas profissões de formação. «Estamos a perder talento», alertou, apelando à criação de uma política integrada de migração. António Vitorino mencionou ainda o papel essencial das autarquias e das escolas na inclusão, afirmando que as crianças são o melhor veículo para integrar os outros. «Estamos a assistir a uma disrupção profunda. O mundo precisa de visionários pragmáticos».
Com a comunicação social à espreita, Paulo Ferreira conseguiu capturar o momento decisivo de um debate crucial, onde se moldaram visões que não só desafiam o status quo, mas que também preveem um futuro mais inclusivo e inovador para o nosso país.
Sucessão e Identidade: entre Tradição e Inovação nas Empresas Familiares
Para terminar o evento, o palco recebeu a gravação ao vivo do primeiro episódio de ‘Entre Gerações’, um novo podcast sobre marcas que também são famílias. Rita Duarte, CEO da Header, e José Redondo, Administrador do Licor Beirão, falaram sobre sucessão, identidade e o equilíbrio entre tradição e inovação.

Algumas empresas atravessam décadas sem perder força. Outras desaparecem. Qual é o segredo? Provavelmente, atualizar constantemente métodos de trabalho, saber resistir e incluir amor no que se faz. Além disso, José Redondo alerta: «o caminho mais rápido para uma empresa familiar desaparecer é impor apenas familiares nos quadros do grupo. Para lá estarem, é necessário que tenham currículo, formação e que a empresa realmente precise do seu talento.»
Tenha acesso à galeria de imagens aqui.
Tudo o que aconteceu na Leading People estará disponível a partir de 15 de março na Líder TV – em www.lidertv.pt e nos canais 165 do MEO e 560 da NOS.
Além disso, à chegada, todos receberam a nova edição da revista Líder, que chegou ontem às bancas. Dentro do tema de capa – INCLUIR – encontram-se reflexões, entrevistas e artigos que aprofundam o debate deste dia.


