A afirmação de que vivemos num mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) tornou-se quase um cliché no discurso empresarial. Mas será que esta ideia resiste ao teste da história?
Segundo Alex Fergnani, num artigo publicado na revista Farsight, talvez esteja na hora de reavaliar esta crença generalizada. A história desmonta esta noção de que estamos a viver os tempos mais incertos de sempre e explicam como podem os líderes e empresas contornar esta realidade. Liderar na incerteza exige mais preparação do que previsão.
A ilusão de singularidade
Muitos comentadores e líderes empresariais acreditam que os tempos que vivemos são únicos na sua imprevisibilidade e instabilidade. No entanto, momentos como a Grande Depressão, as Guerras Mundiais ou mesmo a transição para a era digital nas décadas de 70 e 80 foram marcados por incertezas significativas. Um dos exemplos mais recentes é a pandemia, em 2020.
Mesmo indicadores de incerteza, como o World Uncertainty Index, não medem a incerteza real, mas sim a perceção de incerteza — como a medição do aparecimento do termo ‘incerteza’ em relatórios, como os da The Economist.
A verdade é que, desde sempre, a humanidade lidou com instabilidade. Pensadores orientais e ocidentais, como Heraclito, Lao Tse ou Buda, já reconheciam a mudança e a incerteza como parte integrante da vida.
É inegável que muitos dos riscos que enfrentamos tornam o futuro altamente incerto. Entre eles estão as alterações climáticas, os avanços tecnológicos em IA e robótica, bem como mudanças demográficas dramáticas, todos eles acontecimentos inéditos na história da humanidade. Mas esta ideia de que nunca existiu tanta incerteza é falsa.
O fracasso do planeamento
Na verdade, estas tendências são reconhecidas há muito tempo. Na década de 1920, o economista Frank Knight distinguiu entre risco, em que a probabilidade do resultado de um evento é conhecida, e incerteza, em que a probabilidade do resultado de um evento não é conhecida. Knight sustentava que altos níveis de incerteza são uma característica definidora de uma economia. Isso sempre existiu e sempre existirá.
Isto transporta-nos para outra questão: o problema pode não ser a incerteza em si, mas a falência do planeamento tradicional para lidar com ela. Desde os anos 60, a escola de planeamento estratégico tentou controlar o futuro através de modelos racionais e análises rigorosas. No entanto, este modelo dá-nos uma falsa sensação de controlo.
Ao acreditar que é possível prever tudo através de um plano, qualquer desvio torna-se uma crise. O erro está em pensar que o planeamento elimina a incerteza, quando o verdadeiro caminho é aprender a conviver com ela.
O fracasso do planeamento é ainda corroborado pelas deficiências dos instrumentos atualmente utilizados para medir a incerteza. Na verdade, os indicadores de incerteza acompanham o grau de incerteza que os executivos sentem em relação ao ambiente em que operam. Por outras palavras, o que esses indicadores medem é a incerteza percebida. A incerteza real, na verdade, é impossível de ser observada.
A mudança é lenta… para quem está preparado
A terceira ideia-chave é que a mudança é, na verdade, mais lenta do que parece. Tecnologias como a inteligência artificial, os carros autónomos ou as pandemias não surgiram do nada. Já estavam em desenvolvimento há anos — apenas não prestámos atenção suficiente.
A antecipação estratégica (strategic foresight) oferece ferramentas para acompanhar as forças de mudança e preparar respostas. Tal como afirma Andy Hines, um foresight educator, se fizermos o nosso trabalho de casa, seremos menos surpreendidos pelo futuro.
Paradoxalmente, muitos futuristas e especialistas em foresight também caem na armadilha de proclamar uma incerteza sem precedentes — talvez como forma de vender os seus serviços. Mas Fergnani defende uma postura mais honesta: a incerteza sempre existiu e hoje temos ferramentas para a enfrentar.
A proposta para os líderes é clara: não caiamos na ilusão de que vivemos num tempo singularmente caótico. Em vez disso, usemos o conhecimento e as ferramentas ao nosso dispor — como o strategic foresight — para navegar com mais confiança num mar que, embora turbulento, sempre o foi.