Há uma dimensão misteriosa no nosso meio século de democracia: a perceção do lucro. Para muitos, o lucro é uma coisa pecaminosa. Trata-se de uma ideia que vem de tempos bíblicos: o lucro, a usura e os vendilhões do templo são todos farinha desse mesmo saco de especulação e pecado. O tema presta-se a equívocos: por vezes aqueles anticapitalistas que mais batem com as mãos no peito são os mesmos que metem, literalmente, as mãos na massa.
Há uns dias, quase em simultâneo, João Vieira Pereira, diretor do Expresso, falava exatamente deste, digamos, “problema”, interrogando-se sobre as razões pelas quais nos continuamos a flagelar com os lucros dos outros – os nossos já são outra questão. E o Público trazia uma interessante questão: a taxação pelo Estado de lucros excessivos -cujo montante, ironicamente, não é declarado.
Eis um modesto contributo para a discussão: ao Estado compete definir as regras do jogo e deixar que o joguem. Nesse sentido, e exceto em circunstâncias muito extraordinárias e previstas na lei, ao Estado não cabe a apropriação ad hoc dos recursos dos outros. Mais que se preocupar com os resultados, o Estado tem o dever de garantir que o jogo da competição no mercado – o, para alguns, terrível processo capitalista – é jogado dentro de regras. Sem compadrio nem favorecimento. Se o Estado proceder a essa arbitragem estará a fazer bem o seu trabalho – não o tem feito, como temos vindo a ver ano após ano. Num tal contexto, problema não seria ter lucros mas sim acumular prejuízos. A acumulação de prejuízo parece ser uma matéria com a qual os anticapitalistas parecem viver bem. Estranha forma de vida, como cantaria a nossa diva.
PS Morreu um homem corajoso, Alexei Navalny. Um dia será recordado como um lutador pela liberdade, contra a ditadura que amordaçou a sua pátria. Paz à sua alma.

