Quando o Governo entregou a proposta do Orçamento do Estado para 2026, quis dar ao país um sinal de estabilidade no meio das incertezas europeias. Segundo o relatório oficial, o país deverá crescer 2,3 % no próximo ano e verá a sua dívida pública descer para 87,8 % do PIB — um patamar abaixo dos 90 % que não era atingido há mais de uma década.
A proposta, construída sob o signo da ‘responsabilidade’ e da ‘estabilidade’, foi, antes de ontem, viabilizada na generalidade — com a abstenção do Partido Socialista (PS) e o voto favorável das bancadas do Partido Social Democrata (PSD) e do CDS – Partido Popular (CDS-PP).
O Governo liderado por Luís Montenegro (coligação PSD/CDS-PP) posa-se como guardião do equilíbrio, mas o «equilíbrio» aqui assume cheiro de rigor e limitação — e deixa claro que as margens para «dar mais» ou «abrir exceções» são curtas.
O que foi aprovado e como
Na votação de ontem à generalidade, já foi dado o primeiro passo: a proposta é considerada viável na parte macro. O documento foi aprovado na generalidade com votos a favor de PSD e CDS-PP; abstenção do PS, PAN e JPP; votos contra de Chega, IL, Livre, BE e PCP.
O Governo sublinhou que a proposta não comporta grandes revisões: há pouca margem para alterações que impliquem aumento estrutural da despesa. Ainda assim, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, garantiu que o projecto cobre pensões, emprego, e serviços públicos — mas condicionou os aumentos a «fórmulas legais em vigor».
As prioridades destacadas pelo Governo e desafios
O OE 2026 delineia-se com algumas bandeiras, sendo uma delas o aumento de pensões. O Governo afirma que «todas as pensões» terão correção permanente de acordo com a lei em vigor, com maior destaque para as mais baixas. Haverá também foco no emprego, «salários reais a crescer», e redução da dívida pública — com promessa de que esta fique abaixo dos 90% do PIB. Outro aspecto não menos importante é redução da carga fiscal (pelo menos na retórica) e aposta num orçamento que se apresenta «blindado pelo rigor e pela visão».
Neste tabuleiro fiscal, o Governo avança com uma jogada clara — a taxa de IRC baixa para 19 % em 2026, com destino traçado até aos 17 % em 2028, e as PME beneficiam de 15 % sobre os primeiros 50.000 € de lucros. Menos imposto às empresas, sim, mas com o aviso implícito de que esta janela de alívio se abre apenas se o saldo estiver controlado.
Apesar da aprovação, o documento não escapa a críticas nem incógnitas. Alguns dos pontos mais sensíveis:
O PS condiciona o seu apoio à estabilidade — a abstenção foi concedida com prazo: ‘um ano’ de banco de provas para o Governo justificar. A oposição aponta para insuficiências em áreas como saúde, trabalho, qualidade dos serviços públicos e justiça social. A abstenção do PS e o voto contra de blocos como o Chega evidenciam que a maioria parlamentar é frágil e que o Governo terá de negociar muito para aprovar a versão final.
O impacto para os portugueses
Para quem vive o dia a dia em Portugal — trabalhador, pensionista, empresário — o que muda? As pensões mais baixas são destacadas como beneficiárias principais, o que reduz a pressão sobre essa franja da população.
A promessa de aumento real de salários e correção em prestações sociais pode aliviar a percepção de estagnação para quem vinha a sentir pouco dinamismo.
Por outro lado, a referida limitação de «margem orçamental» implica que não haverá sacrifícios maiores para acomodar todas as reivindicações — e isso significa que a disputa por recursos continuará viva no plenário.
Para as empresas, a narrativa de «menos impostos» e mais estabilidade pode estimular investimento, mas apenas se as medidas concretas vierem de facto a acontecer.
Sobre a nova Lei da Nacionalidade
A proposta para alterar a Lei da Nacionalidade foi entregue pelo Governo e apresentada à Assembleia da República com efeitos retroactivos a 19 de junho de 2025. Entre as principais alterações previstas estão:
O aumento do prazo mínimo de residência legal para adquirir nacionalidade por naturalização: sete anos para cidadãos de países de língua oficial portuguesa (ou da UE) e dez anos para outros nacionais. A introdução da exigência de conhecimento de língua, cultura e símbolos portugueses para aquisição de nacionalidade. A possibilidade de perda da nacionalidade para naturalizados que cometam certos crimes graves, nos prazos previstos. Novos critérios também para crianças nascidas em Portugal: passam a ter nacionalidade somente se pelo menos um dos progenitores residir legalmente no país há pelo menos cinco anos. Extinção ou alteração de regimes especiais de naturalização (como o dos descendentes de judeus sefarditas) e revisão das regras para bisnetos de portugueses.
Porquê esta mudança?
Segundo o Governo, o excesso de pedidos de nacionalidade — «corrida» às conservatórias e aos processos pendentes — levou à necessidade de reforçar critérios para garantir que «a nacionalidade tenha sempre subjacente uma ligação efectiva e genuína à comunidade nacional».
Mas este argumento encontra contrapontos: críticos apontam que a retroactividade, os prazos dilatados e as exigências acrescidas podem constitucionalmente ferir direitos adquiridos e o princípio da confiança.
Esta lei não vive isolada. No contexto do nosso orçamento e da narrativa da austeridade/disciplina orçamental, a reforma da nacionalidade assume significado político e simbólico: enquanto o Estado exige mais ‘ligação’ ao país daqueles que querem tornar-se portugueses, simultaneamente impõe-se rigor nas contas públicas, controle na despesa e restrições orçamentais.
A mensagem é dupla: por um lado «Portugal tem lugar para quem se integra», por outro «Portugal fecha portas para quem não cumpre».
E num país onde a demografia, os fluxos migratórios e a integração são questões vivas, esta reforma envia também sinais ao exterior — aos que vêm, aos que ficam, aos que olham de fora.
O que agora está por vir
A aprovação na generalidade foi apenas a porta de entrada. O documento segue para a fase de especialidade, onde serão propostas alterações e debates mais finos — a votação final global está prevista para 27 de novembro.
O Governo deixou claro que não pretende grandes revisões na despesa. Assim, os atores parlamentares terão de mobilizar-se para negociar prioridades e concessões. A política orçamental ganhará ritmo e visibilidade nos próximos meses — que serão decisivos para saber se o OE 2026 será recordado como ponto de viragem ou como promessa não cumprida.
Fotografia: Gonçalo Borges Dias/GPM


