Na minha investigação sobre a solidão dos líderes, identifiquei duas formas distintas de solidão. Uma é estrutural, ou de função: há uma realidade inegável de que, ao assumir uma posição de liderança, a pessoa torna-se o decisor final. E essa responsabilidade, por si só, é solitária. Se quiséssemos partilhar essa responsabilidade, não estaríamos no lugar de CEO. É o preço do cargo. Mas, para mim, essa é uma solidão saudável – faz parte do papel. É algo para o qual os líderes se prepararam ao longo dos anos e é uma exigência essencial da função.
A segunda forma surge quando, devido a essa solidão estrutural, algumas pessoas optam por se isolar ainda mais, convencidas de que não devem partilhar absolutamente nada com ninguém. Isso não é verdade. É essa segunda forma de isolamento que torna a liderança mais solitária do que realmente precisa de ser.
Na verdade, liderar é um papel solitário, e essa perceção está correta. Nunca conheci um líder que rejeitasse a solidão da função, no entanto, conheci muitos líderes que recusam a ideia de que isso significa não poder conversar com alguém ou partilhar as suas dificuldades. O que os distingue dos líderes que carregam todo o peso sozinhos, é uma maturidade emocional e a compreensão de que não serão vistos como fracos por desabafar. Obviamente, isso não significa contar tudo a toda a gente – seria impróprio. Mas os bons líderes têm um “círculo de confiança”, um grupo restrito de pessoas em quem confiam plenamente para partilhar dúvidas ou preocupações.
Pode tratar-se de colegas de outras empresas, amigos pessoais, antigos chefes, coaches ou mentores. O importante é que seja um grupo pequeno, duas a quatro pessoas, e que as conversas se mantenham confidenciais. Ter vozes oriundas de diferentes esferas é útil, pois uma pode ajudar com questões relacionais, outra com estratégias de mercado. Ter perspetivas complementares ajuda a ver os desafios sob vários ângulos. A ideia de um líder partilhar tudo com várias pessoas dentro da própria organização não é só ingénua, como também desadequada, uma vez que parte da sua função é proteger os restantes colaboradores.
Como construir uma relação autêntica enquanto líder?
Há uma diferença entre ‘relacionalidade’, ou seja, a capacidade de estabelecer relações genuínas, e a obrigação de partilhar tudo. Gosto de usar a analogia de uma família, no sentido de que o que partilhamos com um(a) melhor amigo(a) é diferente do que partilhamos com a sogra, por exemplo. E isso não significa que a relação com a sogra seja má, mas apenas que há temas que não são apropriados nesse contexto. O mesmo se aplica à liderança.
A questão é: como posso construir uma relação autêntica através do meu papel enquanto líder? Os líderes devem saber filtrar o que partilham consoante o interlocutor e o contexto.
Impacto da Inteligência Artificial (IA) nas relações de trabalho
Em poucas palavras, o impacto da IA nas relações de trabalho está a afetar-nos de forma negativa. A investigação ainda está numa fase inicial, mas já conseguimos identificar tendências, e podemos aplicar ao caso da IA muito do que já sabemos a partir das redes sociais, mesmo sendo tecnologias distintas, pois ambas afastam-nos das interações humanas diretas.
Destaco dois efeitos principais. Primeiro: quanto mais tempo passamos a interagir com outras pessoas, mais competências relacionais desenvolvemos. Logo, qualquer tecnologia que nos afaste dessas interações, tais como as redes sociais ou a IA, reduz essa capacidade. Segundo: tanto nas redes sociais como na IA, os sistemas tendem a confirmar os nossos preconceitos. Criam câmaras de eco, dizem-nos aquilo que queremos ouvir, reforçando a nossa visão do mundo. Isso é problemático, porque os seres humanos são complexos e contraditórios, nós mudamos de opinião e temos sentimentos ambivalentes. Por outro lado, a IA tende a apresentar respostas definitivas, algo que não é humano.
Estas tecnologias afastam-nos da complexidade real das interações humanas, e ainda que não precisemos de interações físicas constantes, quanto mais nos afastarmos, mais difícil se torna liderar e comunicar de forma eficaz. As pessoas estão constantemente expostas a ruído e a fontes de informação variadas e hoje a grande questão para os líderes é: como fazer com que a sua voz se destaque entre esse ruído todo?
Este artigo foi publicado na edição nº 31 da revista Líder, cujo tema é ‘Decidir’. Subscreva a Revista Líder aqui.