Conhece algum projeto de grande envergadura cujo custo final seja inferior ao orçamentado? Porque são tão frequentes as derrapagens orçamentais e temporais de projetos, sobretudo as vultuosas obras públicas? A derrapagem orçamental das obras do Hospital Militar de Belém, recentemente caída na praça pública, ilustra bem o fenómeno. O clamor público, partidário, político e mediático que estes casos suscitam poderia levar-nos a supor que eles resultam de idiossincrasias lusas. Eis a realidade: há derrapagens em todo o lado. Um estudo envolvendo mais de 2 mil projetos, em mais de uma centena de países, mostrou que a derrapagem média dos custos se cifrou em cerca de 40%, e que os benefícios projetados ultrapassaram os reais em cerca de 10%-20%. As razões podem ser agrupadas em duas grandes categorias.
A primeira é de natureza cognitiva: quem faz os planos e orçamentos, e quem os aprova, cai em diversas armadilhas de avaliação. Estes erros e enviesamentos são inocentes, não resultando de intenções manipuladoras. Eis alguns exemplos:
- O excesso de otimismo – um enviesamento que Daniel Kahneman, Nobel da Economia em 2002, denominou como “o motor do capitalismo”.
- A crença de que o projeto é singular e não pode beneficiar da experiência com outros projetos.
- A subestimação do tempo necessário para executar as etapas intermédias do projeto.
- A ilusão das certezas e a subestimação dos imprevistos e dos factos desconhecidos.
- A tendência para prestar atenção a factos e números mais recentes ou mais à mão, com desprezo por eventos antigos e por informação que requer mais pesquisa.
- A inclinação para prestar atenção a informações específicas convenientes – e para descurar dados que, a serem considerados, conduziriam ao abandono do projeto ou a um orçamento mais dispendioso.
- A persistência num projeto financeiramente desastroso, de modo a compensar os custos já incorridos.
As pessoas mais poderosas, designadamente os governantes, são mais propensas a cometer erros dessa natureza. São mais otimistas acerca dos prazos. São mais propensas a subestimar riscos e a enveredar por projetos mais arriscados – porque acreditam mais nas suas capacidades “iluminadas”, na sua superior intuição. Revelam pouca paciência quando estão perante projetos que requerem muito esforço cognitivo e mais tempo preparatório.
A outra categoria de erros é de natureza político-estratégica, e tem contornos maquiavélicos. A subestimação de custos e a sobrestimação dos benefícios são intencionais e visam obter a aprovação do projeto. Os proponentes que se apresentam a concurso antecipam que dificilmente os decisores abandonarão o projeto a meio do seu curso, mesmo que haja derrapagens. Assumem que, se não deturparem os valores, perdem o concurso para concorrentes mais maquiavélicos. O arquiteto francês Jean Nouvel, vencedor do prémio Pritzker (uma espécie de Nobel da Arquitetura), afirmou há de mais de uma década que, em França, o orçamento se destinava a obter a aceitação política da obra – o preço real vinha depois. Os decisores políticos, por seu turno, desejando mostrar obra ou sucumbindo a pressões, ignoram convenientemente a subestimação de custos e a sobrestimação dos benefícios.
As duas categorias de erros influenciam-se mutuamente. As armadilhas cognitivas de avaliação são potenciadas quando os decisores estão motivados por razões político-estratégicas. E as consequências do pendor político-estratégico agravam-se quando os decisores maquiavélicos caem em armadilhas cognitivas. A evidência também sugere que a derrapagem dos megaprojetos tende a ser fruto da deturpação político-estratégica, ao passo que a dos pequenos projetos é mais fruto das armadilhas da mente. Naturalmente, o clamor público cai mais sobre aqueles do que sobre estes.
Esta realidade está impregnada de um paradoxo do qual é difícil escapar. Para se obter aprovação e financiamento de grandes projetos, é importante dar-lhes brilho no papel. Mas esse brilho requer embelezamento dos números e das previsões – o que os torna mais sedentos de financiamento adicional. Após colocados em marcha, suscitam mais recursos. Os projetos mais realistas, e que acabariam por ser financeiramente mais saudáveis, não veem a luz do dia. Como sair do paradoxo?! Eis uma resposta lapalissiana: com discernimento, sabedoria e bom senso – dos políticos e governantes, mas também dos cidadãos.