Num país onde a palavra ‘poupar’ soa mais a sobrevivência do que a planeamento, a fotografia de 2025 é clara: os portugueses continuam a guardar pouco e a gastar cada vez mais. Segundo o estudo Consumer Sentiment Survey 2025, da Boston Consulting Group (BCG), 64% dos inquiridos poupam menos de 10% do salário líquido, e 36% não conseguem guardar sequer 5% — percentagens piores do que no ano anterior.
A pressão sobre o rendimento é visível: 58% dos portugueses afirmam gastar mais em alimentação, 35% em habitação e 36% em saúde. O resultado está à vista — menos lazer, menos viagens, menos roupa nova.
Mas há sinais de transformação. Um outro estudo, da Klarna, banco digital e fornecedor de pagamentos flexíveis, mostra que 36,6% dos portugueses conseguem poupar todos os meses, ainda que em pequenas quantias, e que a tecnologia está a reescrever a relação dos portugueses com o dinheiro.
Poupar para o imprevisto, não para o futuro
As prioridades não mudam: 60% dos portugueses poupam para imprevistos e 40% para a reforma, segundo a BCG. A poupança de longo prazo continua a ser exceção. A ideia de acumular para investir ou arriscar ainda assusta uma maioria habituada à volatilidade dos preços e à incerteza económica.
«A poupança em Portugal continua fortemente concentrada em depósitos e produtos de baixo risco», explica Tiago Kullberg, da BCG Lisboa. Ainda assim, nota-se «um movimento encorajador» entre os mais qualificados e entre as mulheres, que começam a diversificar o portfólio e a apostar em ativos de maior risco.
A Klarna confirma o mesmo padrão, mas com uma nuance geracional: 29% dos jovens entre os 18 e os 24 anos poupam sobretudo para viajar ou aproveitar o presente, enquanto os maiores de 55 anos concentram-se na reforma e na segurança. Entre géneros, o padrão é claro — 42,2% dos homens poupam todos os meses, contra 31,6% das mulheres, que continuam a carregar o peso da desigualdade salarial e do custo de vida familiar.
O novo cofre: entre o colchão e a cloud
Portugal vive hoje uma dualidade financeira curiosa: o regresso do ‘cofre físico’ e o avanço dos neobancos.
O inquérito da Klarna mostra que 16% ainda guardam dinheiro em casa, enquanto 43% preferem depósitos a prazo. Já 17,4% investem em fundos, ações ou obrigações — quase três vezes mais entre os homens do que entre as mulheres.
Por outro lado, 42% dos inquiridos reconhecem nos neobancos uma alternativa útil à banca tradicional, com soluções digitais que simplificam a poupança e oferecem juros mais competitivos. «A tecnologia veio democratizar o acesso à poupança», sublinha Karoline Bliemmeger, especialista da Klarna. «Hoje qualquer pessoa pode automatizar pequenas poupanças a partir do telemóvel — e isso está a mudar comportamentos.»
As contas digitais com juros até 2,7% e programas de cashback aproximam o gesto de poupar do ato de consumir. A poupança torna-se invisível, quase gamificada — e talvez por isso mais eficaz.
Poupança em tempos de inflação emocional
Se o retrato financeiro dos portugueses continua a ser de prudência, o contexto é de fadiga. O aumento das despesas essenciais corroeu o espaço mental e económico para pensar no futuro. O lazer e o consumo não essencial são as primeiras vítimas de um orçamento que já não estica.
Mas há algo novo: uma geração que não aceita a ideia de que poupar é abdicar. Querem fazê-lo de forma inteligente, automatizada, sem abrir mão do presente. «É uma forma de simplificar a relação com o dinheiro sem simplificar a vida», resume um dos investigadores da BCG.
Assim, o país que outrora poupava ‘para o tijolo’ parece agora dividido entre o cofre físico e o algoritmo digital, entre a necessidade de segurança e o desejo de fluidez.
E talvez seja esse o novo retrato da classe média portuguesa. Um pé no passado e outro na cloud, a tentar equilibrar a conta bancária e a ansiedade — uma transferência automática de cada vez.


