Uma liderança rara
Resistir ao ódio gratuito tornou-se, hoje, uma expressão de dignidade profissional e de liderança ética. No quotidiano clínico e no espaço público alargado, em especial no digital, assistimos a um fenómeno inquietante, o enfraquecimento do juízo ponderado, substituído por reações imediatistas, julgamentos sumários e ataques que nascem mais do ressentimento do que da razão.
Enquanto médicos, aprendemos que o essencial não é apenas dominar a técnica, mas escutar com rigor, discernir com prudência e agir com responsabilidade. A prática clínica exige um compromisso constante com o outro, mesmo nas suas zonas de maior fragilidade e contradição, contudo, esses valores nem sempre encontram eco num espaço público onde a visibilidade se impõe à verdade e onde o ruído emocional suplanta o pensamento crítico.
A crítica construtiva é saudável e necessária, mas há uma diferença fundamental entre interpelar com lucidez e agredir com amargura. A palavra destrutiva, tantas vezes disfarçada de indignação legítima, não visa melhorar o mundo, visa apenas ferir, e quando a ética cívica falha, quem age com integridade torna-se, frequentemente, o alvo mais exposto.
É precisamente aqui que se revela a força silenciosa da verdadeira liderança, recusar responder na mesma moeda, manter-se fiel aos princípios que nos definem é, por vezes, um ato solitário. Como lembrava Hannah Arendt, “a integridade é o último refúgio da responsabilidade num mundo em colapso moral” e Albert Camus reforçava, “a dignidade começa quando o ser humano se recusa a ser cúmplice da mentira”.
Resistir sem ódio é mais do que uma postura pessoal, é um exemplo coletivo. Num tempo em que a agressividade se confunde com autenticidade e em que o barulho tende a suplantar o pensamento, a serenidade torna-se uma forma rara de liderança.
Defender a verdade com firmeza, proteger a palavra com responsabilidade e continuar a cuidar, mesmo quando nos querem ferir, é talvez a mais essencial das resistências éticas do nosso tempo, porque liderar, em qualquer esfera da vida, é também este exercício, não ceder ao ressentimento, não se deixar arrastar pela violência do instante, mas escolher, dia após dia, a integridade como caminho.