Rita Nabeiro é CEO da Adega Mayor, empresa vinícola e marca de vinhos e azeites, enoturismo e biocosmética que celebra 18 anos de existência em 2025. É também neta do comendador Rui Nabeiro, figura incontornável do empreendedorismo português, cujo Grupo empresarial conta já com mais de quatro mil trabalhadores nas várias empresas e setores de atuação.
Em criança era sempre curiosa, às vezes até tímida, e foi no interesse pelo outro, e no seu próprio autoconhecimento, que encontrou o motor para o conhecimento do Mundo, sempre a partir de um lugar de perguntar sem julgar. De formação artística, teve um início de percurso profissional enquanto designer até chegar a Administradora Executiva do Grupo Nabeiro, onde é responsável pela área da sustentabilidade.
Nesta conversa com a Líder, traçámos o seu caminho ao longo destes anos, onde revela um ‘lado B’, mais holístico, relacionado com a criatividade, a diversidade e a natureza, temas que a apaixonam. Uma mulher que se define por uma pluralidade de olhares e pela riqueza de múltiplas experiências, onde não abdica de um eixo vertical de valores e do poder da estética.
A marca Adega Mayor completa 18 anos de vida. Como foi o caminho até agora e que se prevê para o futuro?
Como fazemos 18 anos, em 2025, dizemos que agora somos maiores de idade! Brincamos com isso, que vamos atingir a maioridade, mas efetivamente o sentimos. É uma área de negócio desafiante, fragmentada, com muitas marcas, extremamente concorrencial e com tudo isso, creio que conseguimos neste caminho solidificar e criar uma marca. Porém, uma marca nunca está 100% construída, ela tem de ser constantemente alimentada, como qualquer um de nós, para estar viva. O produto que colocamos no mercado tem de ter qualidade e criámos um compromisso que definimos num manifesto: ‘queremos fazer vinhos que possamos oferecer aos nossos amigos’. Outra característica na nossa forma de estar, tem a ver com a relação com a comunidade, um aspeto social da génese do Grupo Nabeiro: ‘na nossa mesa cabe sempre mais um’. Tem a ver com dar apoio e integrar sempre mais alguém ou mais alguma entidade, pois acho que, neste setor, este módulo colaborativo vai ser crítico. Em 2015, integrámos um programa de sustentabilidade dos vinhos do Alentejo e tivemos a certificação em produção sustentável. E neste momento estamos a converter tudo o que é a nossa área de vinha própria, para modo de produção biológico.
Por outro lado, sendo que é um setor que está a passar por um período desafiante, queremos inovar, porque os dados indicam que há uma redução e até um combate ao consumo de bebidas alcoólicas. O vinho não vai deixar de existir, mas vai haver cada vez mais restrições. Temos de perceber quais são as oportunidades, a nível de otimização e até mesmo de reinvenção. Às vezes é preciso voltar atrás para dar um passo em frente. É curioso que a nível da sustentabilidade, estamos a perceber quer a nível agrícola, quer em outros setores, que temos de voltar para trás para avançar. Como me disse um produtor agrícola, nos Estados Unidos: «we are so far behind that we are ahead», no que diz respeito à prática de uma agricultura regenerativa, exatamente como se fazia antigamente e é o que estamos agora a fazer nas nossas vinhas.
Recentemente, a propósito de um encontro de mulheres líderes, apresentou uma talk sobre ‘blends perfeitos’ entre as áreas da liderança, criatividade e curiosidade. Qual é o seu blend perfeito?
Todas as pessoas têm o seu blend, o que as caracteriza e as torna únicas. Sempre fui curiosa desde criança, às vezes até tímida, mas a curiosidade é a minha forma de querer apreender o mundo, o outro e de colocar perguntas. Acredito que é um motor do conhecimento e do autoconhecimento. E isso pressupõe que se coloquem perguntas abertas, sem ser de um lugar de julgar, mas de um lugar de interesse – perguntas interessadas e não interesseiras.
No meu caso, eu não vinha do setor dos vinhos e fui fazendo perguntas, estudando, batendo a algumas portas, viajando, visitando alguns produtores e foi isso, para além, obviamente, do conhecimento académico, que me complementou e me fez chegar a uma rede de contactos que tento manter ativa. Depois é preciso arriscar, a perfeição não existe, só assim a inovação acontece. Associo ainda uma componente fundamental, que é a estética – nós gostamos de coisas belas. E também o olhar criativo para a natureza e a biodiversidade – quanto mais diversidade tivermos, mais ricos são os ecossistemas, isso é válido também para os seres humanos, porque não somos todos iguais, nem pensamos de forma igual.
Nas suas funções de Administração Executiva do Grupo Nabeiro, assumiu o pelouro da Sustentabilidade. Como tem sido essa jornada?
O grupo Nabeiro é uma referência a nível da sustentabilidade, pela sua atuação no âmbito social e sobretudo pela relação com a comunidade, nomeadamente o impacto significativo no desenvolvimento de uma pequena vila, no interior do país, e a forma como o fundador, o meu avô, não só sediou ali a sua empresa, mas acreditou que fazia sentido alimentar e continuar a construir e a alargar o seu negócio a partir de Campo Maior.
Hoje, o grupo Nabeiro tem as áreas agroindustriais e de turismo, com um leque bastante alargado de empresas com características diferentes. Quando criámos esta área, agora dentro da Comissão Executiva, foi pela importância de haver um alinhamento transversal de valores comuns, num grupo muito diverso de empresas. E depois, perceber exatamente onde estamos, medir e definir objetivos realistas para onde queremos caminhar. Estamos a recolher informação mais atualizada, com obrigatoriedade a reportar em 2026, com dados referentes a 2025, que nos vai dar o espelho do ESG a nível do Grupo Nabeiro. Estamos na fase de estruturar a equipa para dar resposta a todo o eixo da descarbonização, que também é um tema fundamental em termos do plano.
Na última conferência do BCSD Portugal (Business Council for Sustainable Development), no qual é vice-presidente da Direção, participou num painel sobre Diversidade, Equidade e Inclusão. Que conclusões retira?
Participei numa ótica de perspectiva do Grupo, mas também da minha perspectiva pessoal, enquanto mulher e líder de uma empresa com uma dimensão significativa. Há um tema que é transversal à sociedade, nos dias de hoje, da polarização de pontos de vista, de formas de estar e de atuar. É muito importante a moderação no sentido de tolerância, escuta e perceber a necessidade de haver diversidade.
Os números mostram que empresas mais diversas são mais abertas e melhores, quer do ponto de vista de performance financeira, ou do bem-estar. A representatividade feminina ainda é menor, e apesar de Portugal está a evoluir no sentido positivo, ainda existe um pay gap. O Grupo Nabeiro tem vindo a evoluir, mas a sua génese é muito comercial, e há naturalmente uma estrutura mais masculina. Ao longo dos últimos anos, fizemos programas com foco na diversidade de género, e no rejuvenescer da força de vendas, e a verdade é que os resultados são bastante positivos.
Integra o Conselho Diretivo da Fundação Centro Cultural de Belém (CCB), faz parte do Board da PWN Lisbon (Professional Women’s Network), entre outras colaborações. Que causas a movem?
Uma coisa tenho a certeza que me toca muito, que é a área do desenvolvimento e transformação. Em tempos de disrupção, a transformação é também humana, e isso relaciona-se com o meu avô, que tem a ver com essa entrega e o poder acreditar e de fazer. A componente da sustentabilidade é fundamental e está ligada à transformação das organizações e evolução de um lado interior do trabalho que vai ser crítico, sobretudo do ponto de vista do que é a saúde mental e o bem-estar, visto como um todo, numa visão holística. E depois, voltamos ao tema da criatividade, aquilo que é a nossa essência – se eu puder tocar nesta questão da sustentabilidade, seja ela ambiental, humana e garantir a criatividade que nos leva a uma transformação num sentido mais positivo, é aí que eu gosto de colocar a minha energia.
Os desafios da gestão de uma empresa familiar tem as suas idiossincrasias, com momentos em que se coloca em causa a sua continuidade. Como tem sido trabalhar em família?
Há aqui todo um desafio, sobretudo numa empresa como a nossa, em que é difícil suceder a um líder muito carismático, não estou a dizer que é impossível. Aliás, as histórias de muitas empresas que ultrapassam um século de vida são as que têm líderes carismáticos e inspiradores, como é o nosso caso, felizmente. Depois, ainda com o meu avô em vida, houve uma transição que se foi desenhando, e ele dava espaço, nunca deixou de trabalhar, mas dava-nos esse espaço e a determinada altura passou a ser um conselheiro.
O meu avô criou uma nova forma de fazer negócio, e quando se cria algo único e genuíno, um pouco à frente do seu tempo, é um exemplo que muitos seguem e praticam. E isso está assente num conjunto de princípios e valores, que não se quebram de um dia para o outro e que passam a nível da família. Podem obviamente existir desafios, no que é a gestão de uma empresa familiar, porque é preciso transitar de um registo diretivo para uma estrutura cada vez mais profissional, e isso o Grupo também tem vindo a fazer. O que nos diferencia, e queremos que continue a diferenciar, é esta forma de estar, e por isso a questão de definir com clareza o papel dos diferentes elementos da família, perceber quais são as mais valias e o que cada um pode aportar. Para além de haver uma comunicação e saber separar, dentro desses elementos de comunicação, o que é de ambiente familiar e de ambiente empresarial. Conseguir separar a componente emocional e enfrentar um certo facilitismo de relação, exige que também se faça esse trabalho.
No nosso caso, houve uma transição, o meu pai assumiu a Presidência do Conselho de Administração, é o Chairman do Grupo Nabeiro, o meu irmão é o CEO, Presidente da Comissão Executiva, e dentro da Comissão Executiva também temos três elementos da família, que sou eu, o meu irmão e o meu primo Ivan. Não vou dizer que é sempre tudo perfeito, mas o valor existe quando percebemos o que cada pessoa aporta e sobretudo quando aprendemos a comunicar melhor e tentar tirar um bocadinho desta camada mais emocional de dentro da estrutura. Se soubermos fazer esse trabalho, ajuda a mitigar significativamente algum tipo de riscos e de separação.
Não podemos esquecer que para se continuar a chamar empresa familiar tem de ter no seu futuro elementos da família, e já há uma quarta geração a trabalhar no Grupo. Diria que é esta a forma de cativar as gerações que estão abaixo e sobretudo garantir que trabalhamos para que cresça de uma forma saudável, como o meu avô dizia sempre disse: ‘é mais do que só crescer de uma forma cega, é o que podemos acrescentar e distribuir’.
Enquanto líder que características considera inatas em si e que outros traços considera ter de melhorar?
O meu avô foi um bom exemplo de liderança, era uma pessoa que também liderava muito pelo exemplo e há coisas que efetivamente acabamos por beber, mas depois também há coisas que são únicas, nossas. Sou uma pessoa sensível e muitas vezes isso parece não necessariamente uma boa característica numa liderança, mas acho que precisamos de sentir mais, obviamente munidos de ferramentas que nos tragam pragmatismo e assertividade. Mas uma coisa não é incompatível com a outra, e essa sensibilidade que tenho a nível humano, da estética, e do que é parte de uma verticalidade que quero ter na minha maneira de estar, em termos de valores, é algo que tento alimentar.
Por outro lado, a curiosidade aliada à criatividade, é aquilo que me move para fazer diferente. Não quero fazer igual ao que eu fiz no ano anterior, quero estar à frente de onde estava, e tenho nesse sentido uma competitividade comigo própria. Quanto aos aspetos a melhorar, estou a aprender a não ser tão autocrítica. Essencialmente, é saber estar rodeada das pessoas com as competências certas, mas acima de tudo pelo seu caráter humano, o que para mim é crítico. Acredito que o melhor trabalho se faz em equipa, e estar com quem me sinto a trabalhar literalmente em casa, a quem eu entusiasmo e eles me entusiasmam a mim, e nos suportamos uns aos outros, o que é fundamental para fazer um bom trabalho e querer fazer mais.
Que mensagem gostaria de deixar a outras mulheres e jovens que estão a começar a sua carreira profissional?
Se me perguntassem se tinha sonhado ser CEO de uma empresa de vinhos, diria que não. Não tinha essa ambição quando estava a estudar Design de Comunicação, mas aconteceu. O que ambiciono é ir melhorando face ao ponto de partida e querer evoluir. Diria para não ter receio de ir bater a determinadas portas e falar com pessoas que às vezes nos parecem distantes, ou arriscar um determinado trabalho, ou caminho, porque o ‘não’ está sempre garantido. E quando batemos às portas erradas também aprendemos com isso.
O ‘sonho comanda a vida’ e aquilo que é um sonho não tem de ser uma coisa cristalizada, vai evoluindo ao longo da nossa vida, vai ganhando novas formas. Temos de continuar a sonhar, e ir tendo várias metas ao longo da nossa vida. Há uma citação do Nelson Mandela, que eu gosto muito, e repito-a muitas vezes: «Depois de chegarmos ao cimo de uma grande montanha descobrimos que existem outras grandes montanhas para subir». A nossa vida é feita destes desafios e a seguir a um sonho, segue-se outro. Devemos acreditar, saber pedir ajuda de forma interessada, não interesseira. Quando arriscamos, sonhamos e trabalhamos para concretizar esses sonhos com uma ambição saudável, há magia que acontece.
Fotografia de destaque: Gonçalo Villaverde