No âmbito do projeto Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) para avaliar as condições de saúde e estilos de vida dos profissionais e de que forma as organizações são ecossistemas promotores da saúde e bem-estar, o contributo de Maria do Céu Machado, Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida é o caso divulgado na rubrica da Líder: Healthy Workplaces.
Todas as semanas, uma organização, das mais de 40 que integram o projeto, partilha reflexões e práticas de ambientes de trabalho saudáveis em diferentes setores e atividades.
As organizações de saúde como locais de trabalho saudáveis são uma prioridade para o bem-estar dos profissionais, dos utentes e do sistema de saúde como um todo. Todo o processo de melhoria carece de medidas sistémicas que envolvam a gestão, os profissionais e outros stakeholders.
Esta semana contamos com a partilha e experiência de Maria do Céu Machado também Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Medicina e da European Federation of the Academies of Medicine que reflete acerca do panorama nacional e internacional, da necessidade de estabelecer prioridades, planos e ações para que as organizações de saúde sejam cada vez mais locais de trabalho saudáveis com benefícios para os profissionais e proporcionando melhores cuidados à população.
“Na Cimeira Social realizada, recentemente, no Porto em contexto da presidência portuguesa da União Europeia, uma das metas consensuais foi a garantia de que 60% dos europeus têm formação anualmente.
Este é um dos aspetos da saúde e bem-estar no local de trabalho pois genericamente a saúde é uma das dimensões do bem-estar sendo as outras, a material (casa e trabalho), a familiar (estrutura e relações), a educação ao longo da vida e a perceção (objetiva e subjetiva) do bem-estar.
Em 2020, a OMS no seu documento “Healthy workplaces: a global framework and model: review of literature and practices” chamou a atenção para estes aspetos tão importantes, mas considerados secundários principalmente nas instituições públicas.
Registada a preocupação dos dirigentes europeus, supõe-se que o governo de cada país crie nova legislação ou faça implementar a existente. São, no entanto, os gestores das instituições públicas, privadas, empresariais ou industriais, que devem ser os primeiros a pensar nas condições de trabalho e na satisfação dos colaboradores como um processo contínuo de melhoria que tem repercussões na produtividade, na criatividade e na evolução da própria instituição.
A perspetiva não é apenas social e humana, mas também económica pois as faltas ao trabalho são muitas vezes por stress desencadeado ou agravado pelas condições de trabalho, com consequências económicas e desgaste dos outros trabalhadores que sentem a sua tarefa redobrada.
O espaço físico é tão importante como o ambiente (que inclui a organização do trabalho, e a cultura), a segurança, o apoio a estilos de vida saudáveis e a melhoria da saúde dos colaboradores e famílias.
Todos os locais de trabalho têm riscos físicos como se verifica pelos acidentes e pelas doenças ocupacionais assim como mentais desencadeados por bullying e conflitos entre colegas. Dizem que 70% do trabalho de liderança é a gestão de conflitos.
O futuro, presente já na indústria americana é a saúde 4.0, Healthy operator for smart workplaces, utilizando inteligência artificial que mede os níveis de stress, a saúde psicossocial e novos potenciais de risco através de tecnologias 4.0, identificando o ambiente: temperatura, humidade, barulho e o risco das tarefas (ritmo cardíaco e tensão arterial, ângulos dos braços, posturas defeituosas no trabalho e passos excessivos ou inadequados (Sun S 2020).
Os profissionais de Saúde têm altos níveis de baixa por doença, burnout ou stress comparados com outros setores. Os desafios que constituem o envelhecimento, a morte hospitalar, a doença crónica, as pandemias e catástrofes são fatores que se preveem cada vez mais frequentes e que pesam no trabalho do dia-a-dia. Aos três objetivos clássicos da saúde (melhoria de resultados, satisfação dos doentes e redução dos custos) junta-se um quarto: a melhoria da experiência dos profissionais de Saúde na prestação de cuidados (Sarah Brand 2018).
O trabalho deve ser programado e a segurança adequada. Como falar em segurança sem nos lembramos das mortes de profissionais de Saúde, em todo o Mundo, na pandemia COVID-19, por insuficiência de equipamento e condições de trabalho exaustivas e degradantes? A atitude não será procurar culpados, mas definir planos de modo que não se repitam estas situações, tranquilizando os profissionais e as famílias.
Em qualquer área de trabalho, há necessidade de intervenções sistémicas envolvendo gestores e colaboradores, identificando as necessidades locais dos profissionais, promovendo a educação continuada, com envolvimento ativo de todos, uma liderança forte e a gestão focada na capacidade para melhorar. O trabalho deve ser o local onde profissionais e dirigentes colaboram num processo continuo de melhoria.
A construção de resiliência organizacional é um conceito aglutinador aliado à resiliência pessoal, e ao apoio e readaptação ao trabalho após ausências prolongadas (Petrick K 2018).
A educação no trabalho, deve ser regular e continuada convidando o próprio a identificar as áreas em que gostaria de evoluir e programando pelo menos duas formações anuais uma das quais transversal, ou seja, com elementos de níveis de responsabilidade diferentes.
Esta educação transversal, é transformadora, baseada nas necessidades locais estimula a aquisição de competências comuns (Machado MC 2014).
Liderança forte, trabalho de equipa em que cada um sabe a sua função numa cultura de divisão de trabalho e por vezes de delegação de funções.
Mais simples ainda os inquéritos regulares, a disponibilização de folgas programadas como prémio de produtividade, os seguros de saúde ou o estímulo de exercício físico através de protocolos em ginásios perto do local.
E os que apesar de tudo têm uma visão negativista ou negacionista dos benefícios? Esses são chamados a organizar, coordenar e estimular os outros.
Urgente o compromisso dos líderes, o envolvimento de todos, num processo sistemático, compreensivo, com plano e prioridades.”

Por Maria do Céu Machado, Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Medicina e da European Federation of the Academies of Medicine


