Hoje escrevo não sobre um qualquer assunto da atualidade, mas sobre escrever sobre a atualidade. Isto a propósito de um texto que tinha escrito sobre os famosos cartazes da manifestação dos professores. Eis o meu ponto: os cartazes eram feios e pouco subtis mas criticar caricaturas é um exercício perigoso. Acontece que, logo depois, os cartazes deram lugar a toda uma ‘narrativa’ sobre o racismo. Desde então, diversos observadores decretaram que sim, que havia ali racismo. Resolvi deitar o texto para o caixote do lixo porque o assunto se tornara muito confuso, uma mistura de factos e interpretações do qual facilmente se sai acusado de tudo e mais alguma coisa.
Por isso quero escrever sobre escrever: hoje, defender algumas ideias tornou-se um exercício perigoso. Por isso evito escrever em cima da entrega: posso arrepender-me e ficar sem tempo para corrigir. Ora, as redes sociais funcionam ao contrário desta lógica da espera: promovem a escalada. Depois de eu escrever, aquilo que escrevi fica escrito e em vez de corrigir, insisto no ponto. Esta espiral promove a polarização e a teimosia (ou a ‘consistência’).
Como as ‘redes’ gostam de frases bombásticas e imagens ‘fortes’, acabamos com uma paisagem política paradoxal: os mesmos políticos que atiram granadas verbais para cima dos seus opositores queixam-se de ser atacados quando isso lhes convém; os polarizadores acusam outrem de polarização.
Salvaguardadas as devidas proporções é tão bizarro como as acusações de Putin de que a Ucrânia atacou zonas residenciais na Rússia. Ou seja, eu posso atacar, mas não têm o direito de me atacar. A alternativa democrática a esta deslegitimação do adversário passa por respeitar o adversário, em vez de escalar a linguagem. Por isso, convém não tornar público tudo o que nos vem à cabeça – uma quase impossibilidade neste mundo em que vivemos.
PS: Sobre a escrita, na coleção Atlas, da Guerra e Paz, acaba de sair o Atlas Histórico da Escrita, de Marco Neves. Uma boa leitura para estes tempos em que a caneta continua a ser uma arma.