As lideranças importam para a vida das organizações, das pessoas que nelas trabalham, e das comunidades. Traçam rumos. Exercem um papel significativo no empenhamento das pessoas, no estímulo às relações de cooperação e confiança, e na capacidade das equipas para lidar com oportunidades e adversidades. Mas o facto de acima ter escrito “lideranças”, em vez de “líderes”, não é fruto do acaso ou do estilo de escrita.
Resulta, isso sim, de uma evidência perante a qual nem sempre estamos atentos: a liderança não existe sem liderados. Daqui decorre que os resultados da liderança são sempre o fruto do trabalho de líderes e liderados. Naturalmente, é cognitivamente muito mais económico atribuir os resultados de uma equipa ou organização à figura de proa do que à complexidade de fatores envolventes. Quando presenciamos bons ou maus resultados, somos atraiçoados pela nossa preguiça cognitiva – e eis que nos viramos para o herói ou o vilão que lidera a equipa ou a organização. Acresce que essa interpretação dá bastante jeito, e proveito, a quem lidera: tendo o líder um papel exponencial no desempenho da organização, é fundamental recompensá-lo exponencialmente.
Romancear a liderança (expressão cunhada, há quase três décadas, por James Meindl) ajuda, pois, a interpretar o fenómeno de maneira simples e cómoda. E é útil a quem lidera. Mas a idealização dos “grandes líderes” e a secundarização do papel dos liderados gera efeitos potencialmente nefastos.
Primeiro: quando surgem problemas, muda-se o líder. Mas se a raiz dos problemas for mais complexa do que a ação do líder, as dificuldades perdurarão.
Segundo: o romance da liderança é frequentemente acompanhado da crença de que existem pessoas com especiais dotes para a liderança – ao passo que às restantes pessoas cabe simplesmente obedecer. Mas a investigação mostra que a crença não adere à realidade.
Terceiro: em certos meios, está instalada a convicção de que todos os “grandes líderes” possuem um acervo de qualidades específicas e especiais. Esta crença também não adere à realidade. Diferentes contextos e situações requerem diferentes competências de liderança. Acresce que as perceções dos liderados são tão ou mais importantes do que as qualidades reais possuídas pelo líder. A liderança está, em grande medida, nos olhos do observador.
Quarto: crença igualmente frequente é que todos os coletivos humanos necessitam, para serem bem-sucedidos, de liderança centrada em alguma individualidade. Mas a realidade mostra que a liderança pode ser distribuída pelos membros do coletivo. Mostra, também, que o líder pode destruir valor – designadamente ao minar a dedicação dos liderados, que se sentem alienados e desenvolvem cinismo.
Quinto: ao insuflar o papel dos líderes e subestimar a importância dos liderados, estes sentem-se subestimados e respondem com menor dedicação ao trabalho e à vida da organização. O problema é agravado pelo fosso remuneratório que floresce à sombra do romance.
Não pretendo ser desmancha-prazeres. Nem me passa pela cabeça subestimar o papel dos líderes. Uma parcela significativa da minha vida profissional centra-se na formação e desenvolvimento de líderes (e da liderança!). O que pretendo, pois, é simplesmente defender o seguinte: para aumentar o potencial das lideranças nas empresas e nas organizações em geral, é também fundamental estimar, encorajar, estimular e, naturalmente, responsabilizar os liderados.
Um trabalho académico recente ajuda a compreender que o romance tem contribuído para que a investigação sobre liderança seja frequentemente ignorada. Eis a razão: é mais cómodo e dá mais jeito continuar a alimentar o romance. Os autores argumentam que as narrativas sobre liderança estão contaminadas por vários axiomas – errados ou repletos de falhas. E rotulam a permanência desses infundados axiomas de liderança zombie – ideias mortas pelos estudos continuam a deambular entre nós!