A literacia financeira é uma característica essencial a qualquer investidor, mas parece não ser uma prioridade em Portugal. A perceção de risco e da gestão de investimento tem um grande impacto na inovação nacional e na forma como os empreendedores atuam.
De facto, Portugal continua a registar fragilidades nesta área. Os dados do Eurobarómetro 2023 indicam que ocupamos o 26.º lugar entre os 27 Estados-membros da União Europeia no que toca a conhecimento financeiro.
Tomás Penaguião, Partner da Bynd, reflete sobre esta realidade e traça um mapa do investidor português – e o que está em falta.
Portugal ocupa o 26.º lugar entre os 27 Estados-membros no Eurobarómetro de literacia financeira. Que fatores ajudam a explicar esta posição tão baixa?
Há vários fatores que contribuem para a penúltima posição na lista de Estados-membros com melhor nível de literacia financeira. Aliás, nesse mesmo barómetro, é possível verificar que apenas 11% da população portuguesa possui um nível elevado de conhecimentos financeiros. É o valor mais baixo da União Europeia, juntamente com a Letónia.
Este cenário é resultado de uma combinação de fatores, naturalmente. Desde logo, é um problema estrutural. A ausência de uma educação financeira sistemática no currículo escolar, a falta de iniciativas públicas e privadas eficazes, a escassez de programas de sensibilização que abordem a importância da literacia financeira desde cedo e a aversão ao risco são fatores que contribuem para este número tão baixo.
Como avalia o perfil do investidor português e sobre a perceção de risco?
O investidor português tende a ser conservador, resultado de uma herança cultural. Embora as novas gerações estejam a adotar uma abordagem mais aberta, a preferência por opções de baixo risco e de fácil acesso – como depósitos a prazo e contas poupança – continua dominante.
A ausência de conhecimento financeiro faz com que os potenciais investidores não explorem oportunidades de maior retorno.
Que impacto tem este défice de literacia na forma como os empreendedores e empresários portugueses atuam?
A falta de literacia financeira, impacta sobretudo os empreendedores na tomada de decisões informadas, na gestão do cash flow e na avaliação adequada de riscos. Alguns não conseguem antecipar flutuações macroeconómicas e ciclos financeiros da própria empresa, o que pode levar a encerramentos desnecessários.
Esta situação compromete a sustentabilidade e o crescimento do tecido empresarial português. Se aprofundarmos, percebemos que a aversão ao risco e falta de conhecimento financeiro é uma das principais barreiras que impede muitos empresários de acreditarem na possibilidade de ir além do investimento óbvio e tradicional.
Que diferenças nota nas startups portuguesas em comparação com as vizinhas espanholas? E com o resto da Europa?
As startups portuguesas têm evoluído de forma consistente e positiva, mas ainda há algumas diferenças em relação a Espanha e outros mercados europeus mais maduros. Em Portugal, o ecossistema é mais pequeno e muito centrado em startups com um modelo de negócio B2B. Por outro lado, há muito talento técnico, uma enorme capacidade de adaptação e criatividade, e uma necessidade de internacionalização desde o dia zero, que se traduz numa escalabilidade mais eficiente.
Como é que uma maior literacia financeira pode impulsionar o ecossistema de inovação nacional e fortalecer o papel das empresas portuguesas no mercado global?
Uma população com maior literacia financeira identifica oportunidades, gere recursos de forma eficiente e toma decisões mais acertadas. Desta forma, a capacidade de inovação e atração de investimento é também maior. Há estudos, como o 4.º Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, realizado em 2023, que comprovam isto.
Investir em literacia financeira é uma estratégia para fortalecer o ecossistema e aumentar a competitividade global das empresas portuguesas.
Fomentar este tipo de literacia é uma responsabilidade que recai sobre as escolas e instituições governamentais ou sobre as empresas e setor privado?
A promoção da literacia financeira é uma responsabilidade partilhada. As escolas são essenciais para formar cidadãos informados desde cedo, enquanto o setor privado pode complementar com programas de educação financeira e iniciativas de mentoria.
Num mercado global, todos ganham com a difusão do conhecimento porque, além de melhorar as decisões individuais, aumenta a capacidade competitiva do país.
Que exemplos internacionais podemos seguir para aproximar a literacia financeira da inovação e do empreendedorismo?
Países como o Reino Unido ou a Estónia – muito diferentes entre si – demonstram que é possível criar ecossistemas no qual educação financeira, inovação e empreendedorismo têm de estar em sintonia. Programas escolares integrados com iniciativas de startups, incubadoras e business angels ajudam a criar uma cultura de risco calculado e investimento informado, que, por sua vez, alimenta o crescimento de empresas inovadoras e competitivas globalmente.
Que conselhos deixa aos investidores portugueses que estão agora a começar? Talvez algo que gostaria de ter ouvido há uns anos.
O conselho principal é que devem adquirir o máximo de conhecimento possível antes de investir. Saber avaliar os riscos de forma consciente é importante não só pela questão do retorno, mas também porque ajuda a evoluir na capacidade de análise do mercado e identificar oportunidades sustentáveis a longo prazo.



