São inúmeras as frases atribuídas erradamente a Einstein. A organizadora de um volume de citações do famoso físico incluiu um capítulo com frases que erradamente lhe são imputadas. Por exemplo, Einstein nunca disse: «Uma teoria deve ser tão simples quanto possível, mas não mais simples do que isso.» Há uma óbvia ironia nesta frase, pois nada pode ser mais simples do que é possível. A frase apareceu numa edição do Reader’s Digest em 1977 e multiplicou-se por todo o lado (e ainda mais depois de ter aparecido a Internet). Mas, aparte a nota irónica, a primeira parte está de acordo com o pensamento de Einstein.
Para o maior físico do século XX a simplicidade devia ser um objectivo dos cientistas. Podemos chamar-lhe a «navalha de Einstein», piscando o olho ao monge franciscano William of Ockham que, seis séculos antes, disse mais ou menos a mesma coisa. Os físicos procuram descrições simples do mundo pela razão (simples, apetece dizer) de que o mundo é simples.
Einstein escreveu, nas suas Notas Autobiográficas, que «uma teoria será tanto mais impressionante quanto maior for a simplicidade das suas premissas e quanto mais variadas forem as coisas diferentes que relaciona e quanto mais extensa for a sua área de aplicabilidade.» Foi o caso da sua Teoria da Relatividade.
Numa conversa em 1926, Einstein disse ao seu colega Heisenberg, um dos criadores da teoria quântica (a citação está no livro deste, Diálogos sobre Física Atómica): «Tentamos ordenar unitariamente os fenómenos, reduzi-los de algum modo a uma simplicidade coerente, até que, graças a meia dúzia de conceitos, possamos entender um grupo talvez muito grande de fenómenos.» Para isso a matemática é muito útil: as fórmulas são simples.
O sábio interrogou-se se esta economia de pensamento é apenas subjectiva, mas concluiu que não. A realidade existe e, «na realidade, a simplicidade das leis da Natureza é também um facto objectivo.» Heisenberg concordou: «Creio, como o senhor, que a simplicidade das leis da Natureza tem um carácter objectivo, que não se trata apenas da economia de pensar. Quando a Natureza nos leva a formas matemáticas de grande simplicidade e beleza – refiro-me a sistemas ordenados de princípios básicos, axiomas, etc. –, que não foram alcançadas por ninguém, não se pode deixar de crer que são “verdade”, quer dizer, que representam um dado autêntico da Natureza (…) Em mim domina a convicção muito grande da simplicidade e beleza do esquema matemático que nos é sugerido pela Natureza. Deve ter, sem dúvida, experimentado igualmente uma sensação deste tipo perante a simplicidade e a ordem perfeita das interrelações em que a Natureza subitamente se abre, colhendo-nos de surpresa.»
Repare-se no uso da simplicidade e de beleza como critérios de descoberta da verdade: ambas serviram para criar as duas teorias maiores da física do século XX, a Teoria da Relatividade e a Teoria Quântica. A simplicidade está expressa no lema em latim Simplex sigilatum veri – «O simples é o selo da verdade», inscrito em letras garrafais no anfiteatro de Física da Universidade de Göttingen, na Alemanha, por onde Heisenberg andou, como uma exortação aos descobridores. Por outro lado, o papel da beleza na descoberta tem sido amplamente reconhecido. O antigo lema latino Pulchritudo splendor veritatis – «A beleza é o esplendor da verdade» significa que o indagador reconhece a verdade, como disse Heisenberg, «pelo seu esplendor, pelo modo como brilha.»
O que diz a «navalha de Ockham»?
Atribui-se ao franciscano a frase «As entidades não devem ser multiplicadas para além do necessário». Mas ele nunca escreveu essa frase (mais uma vez uma falsa atribuição!). Disse algo parecido: «A pluralidade nunca deve ser proposta sem haver necessidade». Ockham não foi aliás o primeiro a defender o primado da simplicidade.
Aristóteles disse: «Podemos supor a superioridade, sendo igual tudo o resto, de uma demonstração que derive de menos postulados ou hipóteses». E o teólogo Tomás de Aquino: «É supérfluo supor que o que pode ser explicado por menos princípios tenha sido produzido por muitos.» A simplicidade tem grandes tradições na ciência. O sistema heliocêntrico de Copérnico é um bom exemplo da «navalha de Ockham», pois explica mais com menos hipóteses (abandona os complicados epiciclos de Ptolomeu). Outro bom exemplo é o sistema do mundo de Newton, que precedeu o de Einstein.
Disse o sábio da gravitação universal: «A Natureza contenta-se com a simplicidade, e não se adorna com a pompa de causas supérfluas.» No século XX, o filósofo Karl Popper veio explicar porque preferimos teorias simples. Segundo ele, as teorias científicas têm de ser passíveis de um desmentido pela Natureza em observações ou experiências. Ora, as teorias simples, que se aplicam a uma vasta pluralidade de casos, são mais facilmente testáveis. Tudo isto é filosofia da ciência. A vida pode, porém, ser bem mais complicada do que a ciência. Mesmo assim, a simplicidade é um bom princípio de vida. Aceite-se o complexo apenas quando o simples não for suficiente.
Este artigo foi publicado na edição nº 32 da revista Líder, cujo tema é ‘Simplificar’. Subscreva a Revista Líder aqui.


