«O progresso económico ocorrido nas últimas décadas beneficiou desproporcionalmente uma pequena elite, evidente nos ultrajantes pacotes compensatórios atribuídos aos executivos de topo. Os líderes populistas têm explorado astutamente esta grande ansiedade para alcançar vantagem eleitoral. (…) Na sua essência, a ascensão dos partidos populistas pode ser vista como o resultado de votos de protesto de pessoas que se sentem ignoradas e desprezadas.» O autor do argumento não é um radical anticapitalista. É Manfred Kets de Vries – reputado académico, psicanalista, consultor e professor no INSEAD, a escola de negócios de Fontainebleau, em França. Eis o elucidativo título do livro em que o argumento é exposto: «O lado mais negro da liderança: pitões devorando crocodilos.»
Barbara Kellerman, professora em Harvard, também vem argumentando que, nas economias modernas caraterizadas por grandes desigualdades, baixa equidade e escassa segurança, a atração por líderes destrutivos é grande. Por líderes destrutivos entendam-se os que cavalgam sentimentos de insegurança e injustiça das pessoas para manipulá-las, alcançar dividendos eleitorais e obter posições de poder. Num livro intitulado ‘Liderança de mal a pior: o que acontece quando o mal apodrece’, Kellerman escreve que as más lideranças «tendem a florescer em contextos percecionados como injustos e desiguais, favorecendo fortemente os mais ricos e poderosos às custas dos mais pobres e mais fracos».
Estes processos de má liderança, alimentados por seguidores indefesos e amedrontados, mas sobretudo por oportunistas e acólitos, podem resultar em apodrecimento progressivo dos sistemas democráticos. Com o decurso do tempo, essas lideranças com pendor autocrata (ou mesmo totalitário), maquiavélicas e desprovidas de empatia vão afastando e perseguindo os resistentes e rodeando-se de oportunistas e acólitos. Paulatinamente primeiro e sem rodeios depois, também vão minando os mecanismos institucionais de controlo do seu poder – designadamente a independência dos tribunais, os órgãos de representatividade democrática, o poder independente e vigilante dos media, e mesmo a autonomia científica das universidades. Quanto mais este processo progride, mais difícil é estancá-lo. Observe-se o que ocorreu em países outrora democráticos como a Turquia e a Hungria. Preste-se atenção ao que está a emergir nos EUA, onde os perigos de deslizamento para um processo de liderança destrutiva são significativos. Quanto mais este processo avança, mais difícil é estancá-lo.
Socorro-me destas observações para extrair três ilações. Primeira: é fundamental combater o crescendo de desigualdade económica. Os executivos de topo das empresas e os acionistas que os escolhem não podem escusar-se a lidar com o perigo ao mesmo tempo que alegam adotar políticas e práticas de responsabilidade social, sustentabilidade, equidade e inclusão. O desempenho das organizações é fruto dos contributos de líderes e liderados. A glorificação e exaltação dos primeiros alimenta o cinismo, a desmotivação e a alienação dos segundos. Segunda ilação: importa desconstruir a narrativa de que quem denota preocupação com os perigos da desigualdade é radical anticapitalista. A narrativa é, muitas vezes, o sintoma de que os seus arautos não dispõem de argumentos racionais e económicos que sustentem a defesa do status quo.
Terceira ilação: requer-se que as escolas de negócios e os académicos prestem mais atenção aos riscos de má liderança, em vez de apenas formarem e educarem para a liderança ‘bem-sucedida’. Este sucesso é, por vezes, de natureza meramente individual e prosseguido a expensas de liderados manipulados e explorados. Se não ensinarmos e educarmos as nossas audiências sobre a natureza e os perigos da má liderança, há riscos sérios de as organizações (e os eleitores) se deixarem seduzir por lideranças sombrias que, após escolhidas, semeiam sofrimento e, mais dia menos, geram escândalo. Os milhões e milhões investidos na educação e formação em liderança serão mais eficazmente rentabilizados se, além de nos focarmos na escolha e promoção dos melhores líderes, aprendermos a escapar das armadilhas dos piores.