O dinheiro digital já não é uma novidade e o euro está a caminho de se digitalizar. No processo, a maioria dos europeus espera mesmo que o euro digital seja seguro, fácil de usar e gratuito, de acordo com um novo inquérito da Organização Europeia de Consumidores (BEUC).
Na iminência deste novo método de pagamento surgir na Europa, 86% dos consumidores afirmou que está pelo menos algo preocupada com a possibilidade de não conseguir recuperar o seu dinheiro em caso de fraude ou burlas. Adicionalmente, 87% dizem que pagar digitalmente deve ser gratuito para os consumidores. A sondagem recolheu respostas de mais de 10.000 consumidores em 10 países da zona euro.
ara que esse euro digital se torne realidade, é necessário primeiro aprovar um enquadramento legal no Parlamento Europeu e no Conselho da UE. Só depois disso o Banco Central Europeu (BCE) poderá tomar uma decisão formal de emissão. Até ao momento, o BCE sinaliza que poderia estar pronto para lançar o euro digital até meados de 2029, caso o processo legislativo avance rapidamente.
Um passo estratégico para a soberania europeia
Para a UE, o euro digital é mais do que inovação: é instrumento de soberania monetária. Atualmente, muitos países da zona euro dependem de redes externas como Visa, Mastercard ou empresas tecnológicas estrangeiras para processar pagamentos. O euro digital permitiria que transações digitais fossem feitas com dinheiro soberano europeu, reduzindo a dependência de infraestruturas externas e fortalecendo o controle europeu sobre os meios de pagamento. Nas palavras do membro do Conselho do BCE, Piero Cipollone, o euro digital reforçará a «autonomia e segurança» da zona euro.
Além disso, o BCE já está a contratar soluções de inteligência artificial para prevenção de fraudes no euro digital. Um exemplo recente: a escolha da startup portuguesa Feedzai (em parceria com a PwC) para desenvolver sistemas de análise de risco em transações do euro digital, de acordo com a Reuters.
Um esboço sobre o avanço técnico e institucional
Desde novembro de 2023, o BCE entrou numa fase de preparação para o euro digital, concentrando-se no desenho técnico, consultas com utilizadores, ensaios de usabilidade e no desenvolvimento de um rulebook (manual regulatório). O mais recente relatório, publicado em julho de 2025, revela que cerca de 70 participantes de mercado, entre fintechs, comerciantes e bancos, já testam cenários operacionais em plataformas de inovação.
No âmbito regulatório, o Rulebook Development Group (RDG), composto por entidades do mercado de pagamentos, bancos centrais e representantes da sociedade civil, está a incorporar cerca de 2 000 comentários recebidos em 2024 e a evoluir várias secções do anteprojeto. Em abril de 2025, o BCE divulgou o quarto relatório de progresso, onde afirma que o rulebook está a evoluir com colaboração dos vários stakeholders.
Para o BCE, não basta desenvolver tecnologia: é imperativo que o euro digital se adequa à privacidade por design, funcionalidade offline (não depender totalmente da internet) e interoperabilidade com sistemas de pagamento já existentes.
O que pode mudar para o cidadão comum
Quando o euro digital for implementado, os cidadãos e empresas poderão ter uma opção pública de pagamento eletrônico, sem recorrer exclusivamente a redes privadas. Em teoria, terá custos menores ou nulos para os usuários, caso os critérios de gratuidade sejam mantidos.
Em situações de fraude, os direitos de reembolso e mecanismos de proteção serão decisivos para gerar confiança. Também é esperado que funcione offline em algumas circunstâncias (pagamentos sem rede), o que pode ser útil em áreas com conectividade limitada. Em termos práticos, o euro digital atuará como um complemento ao dinheiro físico, não como substituto total, oferecendo mais flexibilidade no quotidiano.
Até ao final de 2025, o BCE pretende que o seu Governing Council decida se passa à fase seguinte da preparação. Contudo, a decisão final de emissão só virá após aprovação legislativa completa por parte da UE. A legislação proposta pela Comissão em junho de 2023 ainda está em discussão no Parlamento Europeu e no Conselho. Se esse acordo for alcançado em breve, o BCE calcula que levará entre 2,5 a 3 anos para operacionalizar o euro digital.
Mesmo com incertezas, o euro digital é uma aposta estratégica na autonomia europeia nos sistemas de pagamento, com potencial de transformar a forma como pagamos no presente e no futuro.