O que ocorre na nossa vida pessoal e familiar afeta o modo como trabalhamos. As experiências no trabalho também afetam a nossa vida pessoal e familiar. Mas o que ocorre na transição entre os dois espaços das nossas vidas tem sido alvo de menos atenção. A forma como atuamos ao volante quando regressamos de um dia de trabalho é uma dessas transições críticas. A relevância do assunto é extrema porque a mortalidade na estrada é significativamente afetada pelo comportamento dos condutores. Entre as condutas problemáticas estão o excesso de velocidade, os gestos provocatórios, a reação impulsiva a comportamentos de outros condutores, o excesso de proximidade com o veículo da frente, e a inobservância da sinalização rodoviária. Um estudo recente dá-nos conta de que a incivilidade experienciada no trabalho aumenta a probabilidade de “nos saltar a tampa” e adotarmos tais condutas enquanto conduzimos no regresso a casa.
Por incivilidade entenda-se um conjunto de condutas desrespeitadoras como a rudeza no trato, a indiferença, um comentário desagradável ou mesmo humilhante, uma repreensão em público, o desprezo pela nossa opinião, uma interrupção brusca e desrespeitadora, ou uma acusação manifestamente injusta. Quando somos alvo de tratamento incivilizado no trabalho, provenha essa conduta da chefia ou de colegas, ruminamos sobre o assunto enquanto conduzimos. Ficamos tensos. Sentimo-nos cansados ou mesmo exaustos. É mais provável que adotemos comportamentos problemáticos ao volante. É também possível que os outros condutores retaliem, gerando uma escalada que, por vezes, acaba em tragédia. Quando o tráfego é intenso e há pressões de tempo – condições observadas quando regressamos do trabalho, em “hora de ponta” – a probabilidade dessas ocorrências é maior, mesmo quando a nossa personalidade é calma e somos pessoas habitualmente “pacíficas”. Se atuamos agressivamente na estrada quando somos alvo da “mera” incivilidade no trabalho, imagine-se como atuaremos quando somos vítimas de bullying ou outros comportamentos significativamente mais abusivos e destrutivos.
Resultados de investigação como esta podem parecer irrelevantes. Fora do meio académico, algumas pessoas perguntar-se-ão porque é necessário fazer estudos, como este, cujos resultados são “óbvios”. O mesmo argumento poderá, aliás, ser usado a propósito de estudos sobre a motivação no trabalho, a conciliação trabalho-família, o stresse, ou o comportamento abusivo das lideranças. Após conhecerem os resultados de uma investigação, muitas pessoas “sabiam” que os mesmos eram óbvios. Todavia, se os resultados tivessem sido outros, essas pessoas também teriam “sabido” antecipá-los. O meu ponto é que a investigação tem valia intrínseca. Chama a atenção para temas ignorados ou negligenciados. Suscita a reflexão e a discussão. Não descuremos, pois, a relevância prática deste estudo sobre os efeitos que a incivilidade no trabalho exerce no comportamento dos condutores. O trabalho ocupa um papel central nas nossas vidas, para o melhor e o pior. A responsabilidade social das organizações deve envolver mais do que grandes pronunciamentos narrativos que, por vezes, não têm tradução substantiva nas práticas. Uma ação de responsabilidade social tão “simples” como promover a civilidade no trabalho pode diminuir a mortalidade na estrada, evitar tragédias e salvar vidas!