A ideia é simples, colocar seniores, com mais de 60 anos, que moram sozinhos ou em casal, na Área Metropolitana de Lisboa, a viver com jovens estudantes universitários, entre os 18 e os 35. E as vantagens são evidentes, não só o caráter útil da parceira, como uma relação que se constrói e a solidão que se minimiza, e faz acontecer ‘pares perfeitos’.
O projeto Une.Idades – duas gerações, uma casa partiu também de uma parelha, Inês Schmidt e Leonor Serzedelo, ambas fundadoras da Associação sem fins lucrativos, que este ano ganhou o primeiro lugar no programa de mentoria Rise for Impact, da Casa do Impacto (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).
A Líder esteve em conversa com as duas mentoras para perceber um pouco melhor o funcionamento do projeto e qual o papel das empresas na ajuda à divulgação e crescimento.
De que forma é feito o matching para chegar a um «par perfeito»?
Nós temos um sistema de triagem e matching, inovador, que é feito em parte informaticamente, pensado para ter mais impacto quanto mais inscrições forem efetuadas. Trabalhámos com uma equipa de Neurociências, que nos ajudou a desenhar os questionários e as entrevistas, que, após a triagem, nos permite ter para cada sénior uma ‘nuvem de estudantes’ ideal, em termos de perfil, de renda máxima que pode pagar, género, etc. Há uma série de seleções e de perfis de interesse, como a cidade de origem, que nos ajudam a ter essa nuvem ótima, o que depois facilita o relacionamento e o sucesso do par. Ao final deste primeiro ano, já formamos 28 parelhas, sendo que nem todas continuaram, pois há um tempo de experiência, e nesse tempo as pessoas percebem se é, ou não, o que estariam à espera, depende de parte a parte. Cada caso é um caso, depende mesmo de cada pessoa.
Que testemunhos têm tido da união entre as duas gerações?
Recentemente tivemos o caso de um casal sénior, cujo filho mora na Austrália, e punha a hipótese de os colocar a viver num lar, para ficar mais descansado e ter a certeza de que seriam bem cuidados. Fomos então contactadas pela afilhada deste casal, que mora em Portugal, e colocou a hipótese da Une.Idades para evitar a institucionalização e permitir que permanecessem a morar em sua casa. Ou seja, a solução foi uma estudante, o que vai ao encontro do que as pessoas preferem, que é ficar nas suas casas.
No caso de um idoso, ou jovem, como é feita a seleção?
Após a inscrição no site, reencaminhamos um e-mail para a pessoa com um questionário mais completo, com perguntas diferentes, seja sénior ou estudante. No caso dos estudantes, convidamos para uma entrevista, já com os seniores ligamos, não esperamos receber o formulário, só a primeira inscrição. Agendamos uma visita à casa, e fazemos uma primeira análise do grau de aptidão para o programa. Com o estudante fazemos, normalmente, entrevistas online.
Uma parelha pode durar quanto tempo?
Não existe fim, ou seja, para já ainda estamos no início e, portanto, ainda não temos casos desses. Apesar de começar como estudantes, a ideia é, depois se estiver a correr bem, não vamos dizer às pessoas para sair. Se passa de estudante a trabalhador, mas quer continuar em Lisboa e precisa de uma casa, e a parelha está a correr bem, e estão os dois felizes, não vamos terminar. Ao final de um ano, já houve pares que terminaram, porque acabam os estudos e vão para outras cidades, ou voltam para a sua própria cidade. Apesar de o limite de idade ser 35 anos, tivemos recentemente uma inscrição de um senhor de 47 anos, que está a fazer um doutoramento. Ou seja, ser hoje estudante vai até muito mais tarde.
Fazem algum tipo de avaliação regular?
Sim, no início falamos com mais regularidade, falamos com o sénior e os filhos, e falamos com o estudante, e às vezes com os pais dos estudantes. Fazemos quase parte das famílias. Depois, tentamos fazer, pelo menos, uma visita presencial mensal, e quinzenalmente vamos falando com as parelhas para saber como as coisas estão a correr.
Ao final deste ano quais as vantagens que identificam e quais têm sido os obstáculos?
A maior dificuldade é sem dúvida a divulgação, este é um programa que ainda não está nas casas portuguesas. Dos testemunhos mais comuns que temos, é o de saber que alguém vai entrar por aquela porta, ou que vão abrir a porta, e não se sentem sozinhos. Da parte dos estudantes, como estão deslocados, longe das suas famílias, sentem que têm uma base de apoio e isso dá-lhes um conforto. A dificuldade está em angariar seniores, mas também estudantes.
E têm parcerias com outras instituições.
Sim, temos de fazer um trabalho em rede e, por isso, trabalhamos muito com as Juntas de Freguesia, a Santa Casa, o Patriarcado, o Radar e a Gebalis. Acreditamos que esse trabalho em rede vai trazer frutos, e estes ‘nossos’ seniores já nos estão a enviar amigos. Mas precisamos de mais divulgação, que entre pelas casas e mostre que é possível fazer este match em segurança, pois essa é a grande diferença. No acompanhamento, é feita uma triagem exaustiva, com os registos criminais, e antes de começar a conviver já tivemos muitos encontros presenciais. A grande vantagem do nosso programa é a segurança, ou seja, as pessoas podem aventurar-se com segurança.
Qual o valor mensal ou contrapartida financeira?
Existem duas possibilidades, ou um contrato de comodato ou um contrato de arrendamento. Esta foi a solução que encontramos para tornar o programa apelativo, sobretudo para os seniores mais novos, com a hipótese de poder rentabilizar, para além de gostar de ter companhia. Este programa não é só para ter um quarto, é uma pessoa que entra dentro de casa, vai fazer companhia. Quanto ao valor, o compromisso é o pacote total do estudante estar sempre abaixo do valor médio de mercado, que vai de 170 até 480 euros. Este é um valor máximo que corresponde à renda e ao fee mensal para a Associação. Essa compensação permite-nos ser autónomas e não depender de financiamento.

De que forma as empresas e organizações, fora do setor social, podem-se juntar à Une.Idades?
Logo no início, no nosso lançamento, começámos uma parceria com a Meo, e acordamos fazer uma campanha junto dos seus colaboradores que estão em pré-reforma, acima dos 55. Hoje, o que temos feito com os nossos parceiros e empresas, é exatamente fazer da Une.Idades uma proposta de apoio ao colaborador, antes de chegar à fase entre a reforma e a solidão. Estamos abertos a receber mais parceiros corporativos, dentro de inúmeras formas de colaboração. Mas a maneira como definimos o nosso trabalho é por eixos, procuramos ter uma empresa por setor, como banca, seguros, retalho, etc.
O que esperam para 2025?
Este ano foi a prova de conceito e está aprovada, realmente funciona e é positivo para ambos, para o par, e acreditamos para a sociedade também. Para ser positivo e sustentável para a Une.Idades, precisamos de mais pares. O nosso objetivo, e a maneira como construímos o nosso modelo de negócio, é exatamente permitir ter mais impacto. Queremos crescer para depois escalar e avançar para outras cidades universitárias do país.


