Se existe algo que a pandemia nos deu, ou pelo menos o deu aos que tiveram de ficar nas suas casas, com trabalho ou desprovidos dele, foi tempo. Tempo para ficar entre quatro paredes, muitas vezes mentais, e repensar o que tínhamos feito, e não feito, nas nossas vidas. Repensar a nossa profissão, a nossa experiência adquirida, os valores da empresa onde estamos, a valorização que esta nos dá, e a contribuição que, em conjunto, trazemos para um todo. Neste mesmo período, verificou-se um êxodo de colaboradores numa escala massiva, à qual deram o nome de “Great Resignation”, mas, até que ponto se trata “apenas” de um despedimento voluntário?
Ranjay Gulati, autor do livro “Deep Purpose”, deu como exemplo, num artigo publicado pelo Harvard Business Review, um amigo seu que resolveu demitir-se. Embora a razão não tenha sido aparente ao início, dado que parecia sentir-se realizado com a sua carreira, percebeu que se estava a tornar no tipo de pessoa que não queria ser, após entender que os seus valores e ideais não iam de encontro com os da empresa, ou a missão dela. Embora estas dúvidas crescentes possam ter sido suprimidas no início, a combinação de várias conjunturas pessoais e a pandemia, levaram-no a um mais intenso período de introspeção.
O autor relembra que muitos de nós entramos nesta espiral, e vemo-nos a considerar os nossos empregos com outra, e renovada, perspetiva, que conduz a uma tomada de decisão. Para Gulati, não é uma “Grande Demissão”, mas antes um “Grande Repensar”, onde os indivíduos procuram por trabalhos mais orientados para um propósito que os mova. Desta forma, resolveu conduzir entrevistas a mais de 200 líderes de forma a entender como estes trazem essa sensação de propósito aos seus colaboradores, acabando por descobrir estes pontos essenciais:
Conheça-se a si mesmo e o seu propósito
Tanto líderes como empregadores que se sentem realizados e pertencem a empresas de “propósito profundo” sabem o que querem fazer, e essa clareza tem-los movido a tomar certas decisões, e inspirado muitos outros a abraçarem os seus próprios propósitos.
Gulati invoca como exemplo a empresa KPMG, que lançou o programa “10.000 Stories Challenge”, convidando os colaboradores a fazer cartazes onde iriam destacar o propósito que os movia. Entre vários, um dos colaboradores, que tem prestado serviço a pequenos agricultores a garantir financiamento, escreveu: “ajudo as explorações a crescer”.
Será que precisa mesmo de um propósito no trabalho?
É natural procurarmos por algo significativo, tanto em contexto pessoal, como profissional. Muitos que definam como seu propósito ajudar o próximo a crescer e evoluir, conseguem fazê-lo fora do contexto profissional, seja como pais, mentores, fornecendo conselhos a amigos e familiares. Podem fazê-lo também de forma indireta ao trabalhar em empresas focadas na aprendizagem, ou de forma direta como educador ou professor.
O importante é entender as formas de como pode trazer e onde pode procurar o seu propósito de vida. Se estiver a cumprir o seu propósito fora do trabalho, até pode conseguir tolerar uma carreira mais leve de propósito, mas que ofereça bons benefícios. No final, lembre-se de seguir o que realmente lhe diz algo.
“Faça trabalho”
Se sente que precisa de um propósito no trabalho, comece por moldar o seu papel. Quais são as tarefas que pretende desempenhar? Com que tipo de colegas, clientes, gostaria de interagir? Qual o seu enquadramento mental do que está a fazer? O trabalho que não é tão significativo para si pode o ser para os outros? Quais os colegas que partilham as mesmas ideias e objetivos?
Avalie o seu chefe
Um bom chefe permite que os seus colaboradores expressem a sua individualidade, conectam-se com eles e fornecem-lhes uma sensação de comunidade e propósito comum. Pete Carrol, treinador dos Seattle Seahawks da National Football League, afirma “Se alguém sente que estás a reconhecer quem é e o que é, abriste a ligação para introduzi-los a um propósito coletivo”.
Dê atenção aos seus colaboradores
Algumas empresas são capazes não só de instituir objetivos organizacionais, como são também capazes de incentivar os colaboradores a unirem-se a esses mesmos objetivos e valores. No caso da empresa de tecnologia Ovia Health, adotou como valores “sejam vocês mesmos, sejam sinceros, sejam bondosos”, e é, através deles, que tem tomado decisões que incorporam ativamente as opiniões dos colaboradores, através, por exemplo, de fóruns onde estes podem abordar os seus hobbies pessoais e outros temas como inclusão e diversidade na empresa.
Se sente que a empresa onde está não vai de encontro ao seu propósito pessoal, é provável que queira partir para uma que vá. Por vezes, a mudança de cenário é o dar a oportunidade a que outras portas se abram. Lembre-se que é possível encontrar aquela sensação de propósito profundo no seu trabalho, mas não existem atalhos. A reflexão e o recuo também fazem parte da jornada da autodescoberta.
O nosso tempo neste planeta é limitado. Líder, do que está à espera para seguir em frente, e ser quem quer ser?