O Conselho de Ministros aprovou, no dia 25 de setembro, mais um conjunto de medidas para combater a crise no acesso à habitação. Em primeiro lugar, é de saudar a iniciativa, que vai ao encontro de várias propostas já aqui discutidas no artigo anteriormente publicado (vide Crise de acesso à habitação em Portugal – o boomerang infinito): redução do IVA na construção, incentivos fiscais em sede de IRS e estímulo ao modelo Built to Rent.
Depois de anos de inércia, é positivo ver que se está a dar a devida atenção à questão. Mas estará a ser devidamente abordado ou apenas contornado? Abaixo elencam-se as medidas mais relevantes, com uma breve análise crítica, com o propósito de iniciar o debate.
a) IVA Reduzido na Construção
Foi proposta a redução do IVA para 6% na construção de habitações com valor até 648.000€, bem como para imóveis destinados a arrendamento com rendas mensais até 2.300€. A medida é positiva, mas insuficiente — especialmente em zonas como Lisboa ou Porto, onde os preços praticados frequentemente ultrapassam esse limite. Além disso, sem uma redução paralela nos custos de mão-de-obra e dos materiais, o impacto será sempre limitado.
b) Incentivos Fiscais
Anunciou-se a redução da taxa de IRS para senhorios (de 25% para 10% nos contratos com rendas “moderadas”) e o aumento das deduções para arrendatários (900€ em 2026 e 1.000€ em 2027). Acrescenta-se a isenção de mais-valias de IRS na venda de habitações, desde que o valor seja reinvestido em imóveis para arrendamento a valor moderado, e a isenção do adicional de IMI para imóveis arrendados até 2.300€.
Embora positivas, estas medidas são limitadas. A ausência de incentivos em sede de IRC exclui a realidade das pessoas coletivas, que detêm uma parte significativa dos imóveis e atuam, também, como senhorios. Ademais, ao interferir na procura sem garantir a oferta, corre-se o risco de o mercado se ajustar e os preços voltarem a subir.
c) Agravamento do IMT para Não Residentes
Prevê-se o agravamento do IMT na compra de habitações por cidadãos não residentes em Portugal, com exceção dos emigrantes. Trata-se de uma medida de cariz populista, que levanta dúvidas quanto à sua constitucionalidade, nomeadamente por eventual violação do princípio da igualdade. Poderá ainda desincentivar investimento estrangeiro que, em casos específicos, poderia ser determinante.
d) Licenciamentos com Menor Controlo Prévio
A substituição do controlo prévio por controlo sucessivo é promissora, mas levanta questões sérias: segurança jurídica, qualidade construtiva e compatibilização com o princípio da legalidade urbanística. Seria preferível o foco em medidas que auxiliasse os municípios a cumprir os prazos legais na apreciação dos pedidos, em vez de flexibilizar o controlo sem reforçar a fiscalização.
e) Apoio ao Alojamento para Trabalhadores da Construção
A medida foi anunciada, mas carece de concretização. Aguardemos para ver como será implementada.
f) Reforço da Garantia Pública para Jovens
O reforço da garantia pública para jovens na compra de casa segue a lógica de medidas anteriores. No entanto, como já referido, o problema não se resolve pela procura, mas pela oferta. Esta solução será paliativa: o mercado ajusta-se e os preços sobem, anulando o efeito pretendido.
g) Intenção de Cessar o Limite de 2% nos Novos Contratos e Facilitação de Despejos
O fim do limite de 2% nos aumentos de novos contratos de arrendamento é uma decisão acertada. Já se havia referido que tal medida era contraproducente, pois retirava casas do mercado e fomentava práticas paralelas. A sua revogação é, portanto, bem-vinda. Sobre a facilitação dos despejos, nada a apontar, pois a segurança dos senhorios é positiva para a estabilização dos preços de renda.
Conclusão
As medidas são relevantes, mas estão longe de ser decisivas. O problema continua a ser a falta de capacidade produtiva do setor da construção, sendo que tal não resolve com decretos nem com incentivos isolados. Sem uma estratégia integrada que envolva formação profissional, apoio às empresas, revisão da fiscalidade e segurança jurídica, estaremos apenas a tentar vencer pequenas batalhas sem conseguir vencer a guerra.