Na nova era digital e da Inteligência Artificial, o desafio da modernização dos sistemas democráticos está na sua sustentabilidade. Como aponta o Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, «nós, civilização ocidental, euro-americana, temos esse DNA da democracia liberal», mas «ainda está por se perceber como pôr em prática uma democracia sustentável numa era do digital».
Paulo Rangel marcou ontem presença na sessão de abertura do EuroAmericas Forum, no Auditório da Nova SBE em Carcavelos, este ano marcado pelo tema da longevidade como oportunidade de crescimento. Esta é a segunda edição da conferência, uma iniciativa do Conselho da Diáspora Portuguesa.
Na sua perspetiva «os sistemas democráticos, que são os mais velhos do mundo, estão a sofrer alguma senilidade». O espaço euro-americano é o «espaço natural da democracia». Ao contrário do que se assume, a primeira democracia da era moderna são os Estados Unidos, e não o Reino Unido, que é sim, o regime liberal mais antigo.
«A democracia nasce, de facto, nos Estados Unidos e depois contamina-se.» O crescimento da democracia, que descreve como um movimento de ‘vai e vem’, da Inglaterra e da França para os Estados Unidos, e depois dos Estados Unidos para França, e de alguma maneira ao longo de todo o século XIX, especialmente no início do século XX, da Europa continental também para o Reino Unido.

Os desafios da democracia digital e os limites da participação
Os sistemas estão confrontados com «reptos da democracia digital», que é «a democracia direta dos gregos». Hoje, graças à tecnologia, é possível, a qualquer hora, convocar um Conselho de Ministros e fazer uma votação. O equivalente a fazer uma «ágora digital em que todos os dias vamos participar». Paulo Rangel questiona a audiência: «Fazer uma ágora digital em que todos os dias vamos participar, é a democracia direta que se pretende?». À democracia direta falta um elemento liberal, na medida em que «a democracia direta é o primeiro caminho para a ditadura». Referindo-se a Montesquieu, ‘pior que o despotismo de um só, só o despotismo de todos’.
O Ministro alerta estarmos perante «um grave problema», mesmo partindo da ideia positiva da participação cívica. «A participação levada a um certo limite é verdadeiramente paralisante da democracia, e, por outro lado, cria perceções erradas. É isso que as plataformas e as redes sociais fizeram às democracias. A ideia de que todos são editores e produtores da sua própria mensagem, e, portanto, não há mediação, representação. Hoje as plataformas são espaços de intervenção direta, não há na política, porque a ideia é o paradigma da democracia direta.», conclui.
Longevidade, migrações e comércio livre no futuro europeu
Paulo Rangel destaca ainda o envelhecimento como «uma inevitabilidade demográfica» para além da «influência social, política e económica decisiva» das migrações. «Falar de longevidade é também meter na equação as políticas migratórias e a forma como elas devem ser ajustadas a cada momento», refere.
Quanto ao crescimento económico, «o comércio livre», é parte da educação atlântica, daí o governante chamar atenção para as pontes comerciais entre a Europa e a América. Contudo, a retração “legítima” dos Estados Unidos da América, do ponto de vista político, introduziu globalmente, em particular no espaço atlântico, entre a Europa e as Américas, «um fator de ceticismo quanto ao crescimento no futuro.»
E nesse ponto, Paulo Rangel refere o muito aguardado acordo entre a União Europeia e os países do Mercosul, que se encontra em fase de ratificação. «Para que respondamos a uma possível vaga de retração no comércio mundial, temos de ter uma rede enorme de comércio livre, e o Mercosul é o primeiro pilar. Se nós chegarmos a dezembro sem termos ultrapassado este obstáculo, isto será um falhanço rotundo, do meu ponto de vista, com graves consequências na ideia de que estamos impedidos e incapazes, talvez por envelhecimento das nossas mentes políticas, de progredir no comércio livre», enfatiza.
O Forum como potenciador de oportunidades globais
Nas notas de boas-vindas António Calçada de Sá, Presidente do Board do Conselho da Diáspora Portuguesa, realça a «longevidade como um driver de oportunidades», e o encontro como uma «agenda versão 1.0» de projetos concretos para o futuro. «O nosso compromisso é mobilizar a rede, não é substituir uma instituição, mas é fazê-lo de uma forma coordenada», afirma.

José Manuel Durão Barroso, Chairman do EuroAmericas Forum, realça a importância da aliança atlântica, que tem «entre 46 a 49 países no Atlântico, 10 a 12 países europa, 23 países dos quais de África, o continente mais representado».
«De um ponto de vista europeu, é bom saber que sem o Atlântico, a Europa seria uma pequena península do grande Continente Euroasiático. Parece, pois, óbvio para a Europa a necessidade de defender os seus interesses e valores neste espaço», refere.

Quanto ao desafio da longevidade, esta «é um recurso para a sociedade» e representa «mais sabedoria», além de um sinal de crescimento em termos «económicos e humanos». A longevidade é vista como uma oportunidade de «querer durar», da «vontade do ser humano não se extinguir, e da luta contra o esquecimento». O desafio para as organizações e as instituições é «como pode a longevidade ajudar o crescimento?». É estando ao serviço das pessoas, responde. «Ter mais ambição e não perder o entusiasmo, mesmo quando ao longo da vida perdemos muitas ilusões», remata.



