Amar o trabalho resulta em vários benefícios. Quando amamos o que fazemos, experienciamos mais satisfação. Somos mais desejosos de aprender. Empenhamo-nos mais nas tarefas e somos mais perseverantes, o que aumenta as probabilidades de sermos bem-sucedidos e, desse modo, progredirmos em termos remuneratórios e de carreira. Somos porventura mais apreciados por colegas e superiores, o que nos permite aceder a condições vedadas a quem não ama o trabalho. Todavia, este resultado virtuoso pode vir acompanhado de “efeitos colaterais” danosos. A pessoa amante do trabalho negligencia outras facetas importantes da sua vida, inclusive a dimensão pessoal e a familiar. Absorta pelo trabalho, pode descurar a saúde e desenvolver burnout. Entusiasmada pelo que faz, ignora outras oportunidades que poderiam conduzir a melhor salário e mais bem-sucedida carreira. A pessoa pode ainda ser alvo do comportamento oportunista e manipulador da empresa – que procura entusiasmá-la com o “salário emocional” (resultante da paixão que o trabalho suscita) em detrimento do salário substantivo.
Investigação recente acrescenta a estes riscos o perigo resultante da moralização do amor ao trabalho. Por moralização entenda-se a atribuição de elevado valor moral ao amor ao trabalho, e a concomitante desvalorização moral do desamor. Essa moralização é perigosa. Podemos sentir-nos culpados por não amarmos o nosso trabalho. Tornamo-nos “romanticamente” obcecados com a busca daquele outro trabalho que esperamos nos apaixone. A realidade, porém, é mais complexa do que os nossos desejos idealizados supõem. A idealização pode conduzir-nos, durante anos a fio, a uma busca incessante dessa paixão. Saltamos de empresa em empresa em busca do trabalho ideal – que, porventura, jamais encontramos. Sentimo-nos frustrados. Pelo caminho, desperdiçamos oportunidades que poderiam facultar-nos uma vida mais confortável e realizada.
A moralização do amor ao trabalho também pode conduzir à arrogância. Amantes do nosso trabalho, encaramo-nos como moralmente superiores e rotulamos negativamente pessoas que, embora empenhadas e competentes, não amam o que fazem. Ajudamos e partilhamos ideias e sugestões com quem é tão amante do trabalho como nós, mas escusamo-nos a apoiar os que desenvolvem com o trabalho uma relação que rotulamos de moralmente menos valiosa. Recusamos ou libertamo-nos de tarefas rotineiras que não nos apaixonam – transferindo-as para quem não ama o trabalho, assim gerando ou reforçando injustiças. Podemos discriminar pessoas que, tendo experienciado carências na infância e na juventude, são fortemente atraídas por recompensas materiais e estão dispostas a fazer grandes esforços para alcançarem bom desempenho e resultados – mesmo não amando o seu trabalho.
As lideranças que moralizam o amor ao trabalho podem também cair em duas armadilhas. A primeira emerge em processos de seleção e promoção. Essas lideranças ficam mais atentas ao amor ao trabalho que o/a candidato/a denota do que às respetivas capacidades, competências e dedicação. Ficam mais vulneráveis à manipulação por candidato/as exímio/as na gestão de impressões. Sejamos claros: amar o trabalho não é sinónimo de ser competente. Pessoas há que adoram papeis e funções para as quais não estão preparadas ou capacitadas. Essas pessoas, obcecadas em fazer o que amam, poderão recusar-se a realizar tarefas que detestam – mas que são necessárias. A segunda armadilha resulta da concretização de uma “profecia”. Um/a líder que moraliza o amor ao trabalho “investe” mais em liderados que revelam esse amor. É provável, pois, que faculte mais condições, recursos e apoio aos liderados que amam o trabalho do que aos restantes. Esse tratamento “privilegiado” traduz-se, naturalmente, em melhores resultados do que os alcançados por quem não ama o trabalho. Mas essas diferenças de desempenho estão mais radicadas no tratamento diferenciado adotado pela liderança que no amor ou desamor ao trabalho dos liderados.
Não é meu intuito diabolizar o amor ao trabalho. Pelo contrário – ser amante do trabalho pode acarretar benefícios materiais, emocionais e relacionais. Numa sociedade em que a maioria das pessoas está intrinsecamente motivada e empenhada no trabalho, a produtividade aumenta e a economia prospera. O que pretendo sublinhar, pois, é o rol de armadilhas emergentes da moralização do amor ao trabalho. Eu próprio, que adoro o meu trabalho, já padeci de efeitos colaterais nocivos. Acresce que, para fazer o que amo, tenho de realizar tarefas e lidar com experiências que detesto. Se não estiver disposto a lidar com esta dimensão desagradável, não poderei fruir daqueles prazeres do meu trabalho. Alguma prudência é, pois, necessária para que as modas da gestão não sejam abraçadas romântica e acriticamente.