Robert Hare, nome mundial em psicopatia, afirmou: “Se eu não pudesse estudar psicopatas na prisão, procurá-los-ia na Bolsa”. Traduzindo: o mundo financeiro e o corporativo são propícios à emergência de lideranças com traços psicopatas. Estima-se que a percentagem de psicopatas nessas arenas, assim como na liderança política, seja superior à encontrada na população em geral.
Por psicopatia entenda-se um conjunto de características subclínicas: loquacidade e charme superficial, ausência de empatia, comportamentos egoístas de ética duvidosa, ausência de remorso ou sentimento de culpa, emocionalidade superficial, incapacidade para assumir responsabilidades por erros e tendência para apontar culpas aos outros, comportamento astucioso e manipulador, foco na satisfação dos interesses próprios a expensas das outras pessoas, e fraco amor à verdade. Porque são também audaciosos, autoconfiantes e aventureiros, estes indivíduos procuram posições de poder sem olhar a meios. Atraem as atenções e a admiração de quem os contrata, nomeia ou elege. Ou seja, usam do charme para manipular e explorar os seus alvos. Podem ser altamente lesivos da saúde das pessoas que lideram e da sustentabilidade das suas organizações. Ilustrarei o argumento com um caso amplamente estudado.
Al Dunlap (1937-2019), apelidado de “Motosserra” e “Triturador”, foi durante anos idolatrado pelos lucros que alegadamente alcançava, enquanto despedia impiedosamente milhares de pessoas. Na Scott Paper, eliminou um terço da força de trabalho. Quando a empresa foi vendida por mais de 9 mil milhões de dólares, recebeu um bónus de 100 milhões, tendo defendido soberbamente: “Enquanto a maioria dos CEOs é ridícula e excessivamente bem paga (..), eu mereci os 100 milhões.”. A sua reputação atraiu as atenções da Sunbeam, uma empresa em dificuldades, que o contratou. Também aí, enquanto usou a motosserra para despedir sem apelo nem agravo, continuou a abotoar-se com milhões. A fórmula deu para o torto – e Al Dunlap acabou despedido por ter conduzido a empresa ao colapso. A SEC acusou-o de fraude contabilística, alegando que ele orquestrara “um esquema fraudulento para criar a ilusão de uma reestruturação bem-sucedida da Sunbeam e facilitar a venda da empresa a um preço inflacionado. (….) Na realidade, pelo menos 62 dos 189 milhões reportados como ganho da Sunbeam [em 1997] não estavam em conformidade”.
John Byrne, autor de uma biografia sobre Dunlap, escreveu: “Em todos os meus anos de reportagem, nunca me deparei com um executivo tão manipulador, implacável e destrutivo quanto Al Dunlap. (…) Ele sugou a vida e a alma das empresas e das pessoas. Roubou-lhes dignidade, propósito e sentido de organização, e substituiu esses ideais por medo e intimidação.” A visão cínica e assustadora que Dunlap tinha do mundo foi limpidamente descrita num livro que ele próprio autorou, em cuja capa aparecia fotografado junto de dois cães: “Os predadores estão lá fora, a circular, a olhar para si, esperando qualquer sinal de fraqueza, prontos para atacar e fazer de si a próxima refeição. (…) Você não está nos negócios para ser amado. Nem eu. Estamos aqui para ter sucesso. Se quiser um amigo, compre um cão. Eu não corro riscos – e, portanto, tenho dois cães.”
Socorro-me do caso para sublinhar três pontos. Primeiro, para termos melhores líderes, não basta identificar os melhores candidatos. É também fundamental sinalizar os mais perigosos. Este é um grande desafio, pois muitos indivíduos com potencial destrutivo são suficientemente charmosos, audaciosos, autoconfiantes, persuasivos e manipuladores para alcançarem as posições de poder que almejam. Segundo, dado que são persuasivos, manipuladores e dispostos a fazer tudo o que for necessário para alcançar objetivos, os psicopatas têm maior probabilidade de ascender na hierarquia e alcançar a liderança de topo. Esse risco é potenciado pelo facto de muitos observadores e recrutadores confundirem autoconfiança e ousadia com competência. O resultado é que as pessoas honestas são arredadas destes processos. Consequentemente, parafraseando Clive Boddy, outro especialista em psicopatia, os candidatos honestos são arredados do processo e “a escolha dos líderes de topo fica circunscrita aos candidatos sem integridade”.
O argumento é válido para a vida política, o que me remete para o terceiro ponto, de natureza mais global: é assustador observar a naturalidade com que o atual presidente dos EUA e seus acólitos-mor enunciam e tomam medidas desumanas, cruéis e bárbaras. Mais assustador é o facto de essa crueldade ser recebida com indiferença, encanto ou mesmo entusiasmo por milhões de pessoas. Dada a potencial mimetização à escala mundial, há razões para temer o pior.