A pessoa ainda está a trabalhar e a executar as suas tarefas, mas mentalmente já não subscreve a ideia de que o trabalho tem de ser a sua vida. Não se está de facto despedir, mas está a despedir-se da ideia de progredir na carreira.
É assim que Zaiad Khan, um utilizador de TikTok com mais de 10 mil seguidores, descreve a nova tendência no mundo do trabalho, o “quite quitting” ou demissão silenciosa.
A expressão tornou-se viral. “Se os seus colaboradores estão a ‘despedir-se silenciosamente’, eis o que significa”, foi o título de um artigo do Wall Street Journal a 12 de agosto.
No The Guardian pode-se ler: “Demissão silenciosa: porque fazer os mínimos no trabalho se tornou um fenómeno global.” O termo foi definido e redefinido. Para alguns, significa abstrair-se mentalmente do trabalho; para outros, é sobre não aceitar trabalho extra sem pagamento de horas extraordinárias.
O The New York Times entrevistou três pessoas para um melhor entendimento de como a “demissão silenciosa” está a ser posta em prática, e o impacto desta nova tendência no mercado de trabalho.
Viver uma vida mais leve, e sem stress
Alex Bauer, de 26 anos, trabalha num armazém de livros e quando ouviu pela primeira vez o termo, pensou: “Isto sou eu. Tem sido algo que eu tenho vindo a praticar, mas não tinha um nome para isso até agora.”
Bauer iniciou a atividade há quatro meses, e trabalha por turnos de oito horas, cinco dias por semana. Escolheu este trabalho porque não exigia a sua energia emocional.
“Darem-nos uma lista de muitas coisas para fazer e ir riscando o que está feito, um por um, é recompensador.”, confessa. “Eu gosto deste trabalho mais automático e rápido, e não tenho ataques de ansiedade. Sou boa no que faço, mas depois vou para casa e não penso mais nisso.” Agora tem o seu próprio negócio, que gere no tempo livre: edita contos, maioritariamente no género da fantasia.
Em trabalhos anteriores trabalhou em restaurantes, em que tinha de cozinhar sob pressão e gerir os funcionários da cozinha, que regularmente ligavam a dizer que estavam doentes.
“Não dava para desligar com esse tipo de trabalho. Tinha de estar constantemente num ritmo acelerado. Fiquei com um burnout de tal nível que fiquei doente, fisicamente.”, comentou.
Hoje está contente pelo facto de haver mais pessoas a pensar da mesma maneira, em vez de julgar a sua necessidade de trabalhar num local mais simples. “Sinto-me validada.”, confessa. “É positivo ter esta abordagem relativamente ao trabalho, e é muito bom ver que há um movimento crescente neste sentido.”
Punho firme, e expectativas ajustadas
Nikki Miles, 34 anos, trabalha como especialista de RH para uma empresa de entretenimento no Texas e nunca entendeu as pessoas que trabalham mais do que é necessário por si mesmas, especialmente se for algo além da sua função.
“Quando li pela primeira vez sobre “despedimento silencioso” pensei que era ridículo. Eu faço o meu trabalho, e vou fazê-lo bem, e faço coisas que, de facto, me interessam. Mas além disso, eu já sou mal paga, por isso definitivamente não vou fazer mais que isso.”
Sente-se confusa com esta nova tendência que, no seu ponto de vista, simplesmente consiste nas pessoas terem punho firme e fazerem o seu trabalho.
“Significa que a expectativa é a de que uma pessoa faça mais do que a empresa de facto lhes paga”, esclarece. “Isso para mim não faz sentido. Cada um deve fazer o trabalho para que é pago, e se quiser ir além disso, ótimo! Mas não deveria ser uma exigência.”
E valerá a pena? Um ponto de vista diferente
Matt Spielman, coach, percebe porque algumas pessoas querem andar um passo para trás nas suas carreiras. “Se alguém está com um burnout, ou a ter problemas pessoais, eu acho que mudar de 10 horas para 7, ou de 6 para 5 faz sentido”, diz ele.
E acredita que esta necessidade é maior com o trabalho remoto. “Com o teletrabalho é muito mais fácil uma pessoa sentir que está menos envolvida, sentir que é menos parte da equipa, e é mais fácil para os managers despedirem os colaboradores. Há menos limites sobre quando o trabalho começa e acaba.”
Ao mesmo tempo, sente-se preocupado sobre a quantidade de pessoas que estão a aderir à “demissão silenciosa” como método de vingança para com a organização.
“A ‘demissão silenciosa parece muito passivo-agressiva. Se alguém está com um burnout, deve haver uma conversa muito honesta relativamente a isso, e deve ser bilateral. Simplesmente dizer ‘eu vou fazer o mínimo porque quero, ou porque tenho problemas’, não ajuda ninguém.”, refere.
Sobretudo, Spielman acredita que a “demissão silenciosa” evita que as pessoas encontrem trabalhos que realmente gostem, e que as preencham enquanto pessoas e que lhes deem propósito.