No cruzamento entre a visão global e o espírito empreendedor, João C. Silva traça uma rota onde a inovação e a empatia se tornam faróis na complexa travessia do mundo empresarial contemporâneo. CEO da Digital Connection, agência internacional de comunicação e marketing digital que ganhou prémios em Portugal e no Dubai, João é mais do que um gestor: é um arquiteto de conexões — entre culturas, pessoas e ideias.
Desde cedo, percebeu que liderar vai muito além da organização de equipas ou da definição de estratégias. É uma arte que exige escuta ativa e sensibilidade, mas também a coragem de definir prioridades e traçar caminhos em territórios imprevisíveis. Fora do universo corporativo, João é uma ponte viva entre culturas. É Co-founder do Art of Connection, um projeto que promove a conexão de pessoas, empresas, artistas e culturas através da arte. Também exerce diplomacia cultural na International Federation of Choral Music e ajuda a estreitar laços entre Portugal e o Dubai como Secretário-Geral do Portuguese Business Council. Além disso, é ainda Conselheiro da Diáspora Portuguesa no Mundo.
Nesta conversa com a Líder, o português revelou os desafios de construir uma empresa num mercado conservador, o delicado equilíbrio entre exigência e humanidade na liderança, e a importância de preservar a autenticidade num mundo cada vez mais digital e global. João não vê a liderança como um comando, mas como um convite à inspiração — onde o impacto humano se mede em respeito, confiança e conexão genuína.
João, olhando para a sua carreira, como define o papel da liderança no mundo empresarial e digital de hoje?
A liderança assenta em dois pilares fundamentais: a empatia e a organização. Sem empatia não há verdadeira conexão humana; sem organização, não há direção clara. Um líder deve compreender quem está do outro lado — as suas expectativas, motivações e fragilidades — e isso exige presença, escuta ativa e respeito. Ao mesmo tempo, precisa definir prioridades e garantir que cada membro da equipa sabe o que se espera em cada fase do processo, reduzindo frustrações e aumentando a motivação.
No contexto digital, a liderança tornou-se mais visível e exigente. As pessoas comparam estilos, veem outras realidades, e essa transparência obriga os líderes a serem autênticos. Hoje, não basta mandar, é necessário inspirar.
Quais os maiores desafios que enfrentou ao criar a Digital Connection?
O ambiente português é um desafio por si só: mercado conservador, resistência à mudança, capacidade limitada de investimento e poder de compra frágil. Fundar a Digital Connection aos 26 anos, com visão, mas pouca experiência, implicou aprender na prática, cometer erros naturais, como decisões precipitadas e uma ingenuidade emocional que me ensinou muito.
Externamente, lidámos com clientes que atrasavam pagamentos, margens baixas e um ecossistema empresarial pouco preparado para apoiar PME’s. Para vencer, tivemos de ser disciplinados financeiramente e pensar desde cedo numa visão internacional — a ambição foi sempre maior que as limitações do mercado. Foi essa visão que nos fez crescer.
Em tempos de incerteza e mudança acelerada, como mantém a sua equipa unida e motivada sem sacrificar a autenticidade e o respeito mútuo?
Tratar a equipa como indivíduos, não como um bloco homogéneo, é essencial. Na Digital Connection, temos profissionais de mais de dez nacionalidades, cada uma com valores e formas de comunicar muito distintas. Cada pessoa tem a sua história, o seu ritmo, as suas necessidades. Liderar neste cenário exige promover o respeito e a inclusão, ao mesmo tempo que se garante excelência nos resultados.
É uma dança entre sensibilidade humana e rigor profissional, que só funciona com empatia, clareza e consistência. Essa liderança partilhada com o meu sócio, o Gonçalo Freitas, ajuda-nos a encontrar soluções melhores e a criar um ambiente onde as diferenças coexistem de forma produtiva.
Como equilibra a liderança enquanto arte, ciência e responsabilidade moral?
Essa é uma pergunta que levo muito a sério. A liderança não é apenas uma competência — é, acima de tudo, uma responsabilidade social e moral. Liderar é ter consciência do impacto que se tem na vida dos outros. E isso exige sensibilidade, humildade e coerência.
Acredito profundamente que a autoridade sem responsabilidade moral se transforma rapidamente em abuso de poder. E o abuso, mesmo que subtil, mina tudo: a motivação, a criatividade, a confiança. Uma equipa liderada com respeito torna-se naturalmente mais comprometida e mais resiliente. O ponto de partida é claro: respeito pelas pessoas. A partir daí, tudo se constrói.
Pode partilhar um momento difícil e o que aprendeu sobre si próprio enquanto líder?
Mais do que um momento, foi um padrão: por muitos anos, tive dificuldade em desligar, sentia que tinha de controlar tudo, o que me levou a exaustão física e mental. Percebi que não podia ser um bom líder para os outros se não cuidasse de mim próprio.
Hoje, priorizo o autocuidado — alimentação, exercício, sono — porque produtividade sem bem-estar é ilusão. Esse equilíbrio é fundamental para a sustentabilidade pessoal e profissional.
O que significa para si ‘conectar pessoas’ numa era em que as conexões parecem ser cada vez mais superficiais?
Nunca estivemos tão conectados, seja física ou digitalmente. A facilidade de viajar e comunicar globalmente nunca foi tão grande. Porém, o uso excessivo das redes sociais pode gerar sensação de vazio, sobretudo pela desinformação, fake news e discurso de ódio, que diminuem a tolerância social.
Conectar pessoas, para mim, é ultrapassar essa superficialidade, criando pontes genuínas entre culturas e realidades diferentes — e esse é também o objetivo do projeto Art of Connection.
No projeto Art of Connection, a arte une realidades distintas. Acredita que essa união artística pode ser uma metáfora para a liderança inclusiva?
Sem dúvida. A arte é transformação, emoção e reflexão crítica. Como a liderança, ela conecta, desafia e questiona.
Uma liderança inclusiva não impõe, escuta; não nivela, reconhece diferenças.
Tal como a arte, também a liderança deve ser expressão de humanidade e canal de transformação. É por isso que acredito que a arte é uma metáfora perfeita para a liderança inclusiva, ajudando a criar ambientes mais criativos e conscientes.
Também tem um podcast – ‘Our Vision’. Que visão quer transmitir a quem o ouve?
O ‘Our Vision’ nasceu para partilhar uma visão realista e humana do empreendedorismo, marketing e lifestyle no Dubai, desconstruindo preconceitos comuns entre os portugueses sobre a região. É um espaço para dar voz a histórias de pessoas de várias nacionalidades que ali vivem e trabalham.
Também é uma forma de contar a minha própria trajetória, mostrando que é possível construir algo sólido fora da zona de conforto. ‘Our Vision’ é uma visão coletiva e individual que inspira a acreditar na própria visão. Ou seja, se inspirar alguém a acreditar mais na sua visão, é porque já valeu a pena.
Qual foi o maior desafio pessoal que o ajudou a crescer como ser humano?
Aprender a respeitar os meus limites foi decisivo. Sempre me entreguei a mil projetos, mas ignorar os sinais de cansaço é um erro. O descanso faz parte da produtividade. Mais do que estar sempre ocupado, é estar verdadeiramente presente que importa.
Liderar não é estar em todo o lado, é estar com qualidade onde realmente faz diferença.
Outro crescimento enorme veio do contacto com culturas diferentes, que me ensinou tolerância e humildade — percebi que o ‘normal’ para mim pode ser estranho para outro, e isso é uma riqueza. Isso abriu não só a mente, mas o coração.
Como gere os múltiplos papéis sem perder o contacto consigo próprio?
A coerência interna é o maior ato de liderança. Não vejo os meus vários papéis como separações, mas como extensões do mesmo eu. A terapia e o autoconhecimento foram essenciais para isso — conhecendo bem os meus valores, fica mais fácil decidir mesmo sob pressão.
Qual é o papel da humildade, sobretudo num mundo tão competitivo e acelerado?
A humildade é a característica que nos faz evoluir. Sem escutarmos os outros não progredimos, a humildade é que nos torna mais competitivos, especialmente no mundo em que vivemos, onde as pessoas, no geral, têm muita dificuldade em escutar, em realmente ouvir o outro. Ser humilde não é viver dependente da aprovação externa e, normalmente, a falta de humildade está associada a inseguranças escondidas. Ser humilde é conhecermos as nossas limitações e superá-las.
A humildade não é ausência de ambição — é a sua maturação. É a capacidade de avançar com firmeza, mas sem pisar ninguém no caminho.
Que conselhos dá para não perder a visão de longo prazo?
O mais importante é nunca confundir movimento com progresso. Há fases em que estamos muito ocupados, mas não estamos a avançar.
Manter a visão de longo prazo exige pausa, reflexão e foco. Exige saber parar para pensar: ‘Isto ainda me faz sentido?’, ‘Para onde estou a ir realmente?’ Cercar-se de pessoas que desafiam e lembram o propósito inicial ajuda a manter a visão. A visão de longo prazo precisa de persistência, clareza, humildade e alinhamento com valores.
Qual o papel do conselheiro da diáspora portuguesa no mundo?
A diáspora portuguesa é uma rede global única, com enorme capacidade de adaptação e resiliência. O papel de conselheiro é ser ponte entre Portugal e o mundo, trazendo novas ideias, projetos e conexões. Num mundo de fronteiras fluidas, o verdadeiro poder está em articular narrativas e gerar impacto além das geografias — e é isso que quero ajudar a construir.
Que mensagem deixaria aos futuros empreendedores portugueses?
Ser empreendedor é aceitar ser desafiado todos os dias, é escolher o caminho mais difícil, mas também o mais gratificante. Resiliência, autenticidade e humanidade são as chaves para vencer. E, acima de tudo, acreditar na própria visão mesmo quando o mundo diz o contrário.



