As pessoas sentem-se mais energizadas quando o ambiente de trabalho é vivaz e amistoso. Ou quando realizam trabalho que contribui para um bem maior – resolver problemas importantes dos clientes, ajudar cidadãos, desenvolver a comunidade em que a empresa opera, ou salvar vidas. Trabalhar com um propósito nobre é tão motivador que algumas pessoas reconfiguram cognitivamente a sua função. Por exemplo, alguns funcionários de limpeza dos hospitais encaram o seu trabalho como forma de ajudar os familiares dos pacientes. Ou o polícia de um bairro problemático interioriza que, com o seu trabalho, pode salvar adolescentes de uma vida de crime e contribuir para o seu crescimento com adultos responsáveis.
Algumas empresas procuram estimular o empenhamento dos empregados através da ativação desta motivação com propósito. Algumas fazem-no de modo genuíno. Outras procuram obter das pessoas mais empenhamento no trabalho – com o intuito de obter “mais leite de vacas contentes”. Há ainda outras empresas que, embora com boas intenções, se socorrem destas práticas para estimular a motivação sem aumentar custos salariais. Todavia, quando se sentem manipuladas, as pessoas remetem-se a uma posição defensiva e podem retaliar. Este sentimento explica porque muitos trabalhadores essenciais levantaram cartazes, durante a pandemia, com a expressão “não comemos aplausos”.
Serve este introito para discutir as limitações e vicissitudes emergentes do denominado salário emocional. São numerosos os especialistas, diretores, administradores e gestores de recursos humanos que, em entrevistas ou artigos de opinião, tecem loas a esse “salário”. O salário emocional é, no entanto, um “pacote compensatório” que abarca componentes bastante diferenciadas. O acesso a uma creche para os filhos, um dia de folga ou um seguro de saúde são componentes tangíveis. Mas outras componentes, como um título mais pomposo para o posto de trabalho, são apenas “rosas” com valor simbólico.
Estas “rosas” podem reforçar a autoestima e ser motivadoras. O que se torna perverso é o recurso às “rosas” para manipular o empregado e evitar pagar-lhe remuneração tangível. O salário emocional é uma fonte de “remuneração” altamente valorizada – mas o seu poder verdadeiramente motivador depende do verdadeiro salário.
Quando uma organização recorre à “remuneração” emocional como substituta da compensação financeira, é provável que os empregados se deem conta da tática e desenvolvam obediência cínica. Durante um programa de formação em liderança, a diretora de uma unidade de uma multinacional operando em Portugal relatou que o medo imperava porque a gestão de topo enveredara por um processo de reestruturação, racionalização e emagrecimento de custos. Decorriam despedimentos mais ou menos selvagens. Os sobreviventes do processo experimentavam ansiedade. Temiam que, a qualquer momento, a má sorte lhes batesse à porta. Para comprar a alma destes aflitos, a empresa decidiu sortear brindes.
A diretora, um elo na cadeia de transmissão e implementação desta política, estava atónita e preocupada. E tinha razões para isso. Os gestores que procuram comprar a “alma” dos colaboradores oferecendo-lhes brindes estão a iludir-se. O que recebem em troca é obediência cínica. Para salvarem a pele e protegerem o seu posto de trabalho, os empregados até podem aparentar dedicação ao trabalho – mas tudo não passa de simulação.
O “pagamento” de salários emocionais para estimular o empenhamento incorpora, por vezes, outra perversidade, fonte de injustiça: espera-se que os empregados “normais” se sintam compensados com salários emocionais, como substitutos da compensação financeira, mas a mesma premissa não é aplicada aos executivos.
Eis a inconsistência: executivos desmotivados pela sua “insuficiente” compensação financeira esperam que empregados mal remunerados sejam motivados por salário emocional. Portanto, segundo a narrativa, há duas diferentes formas de garantir o alinhamento dos interesses dos membros organizacionais com os interesses da organização e seus acionistas. Por um lado, acredita-se que o alinhamento dos interesses dos empregados “normais” com os da organização pode ser estimulado pelo salário emocional. Por outro lado, advoga-se que o alinhamento dos interesses dos executivos com os interesses da organização e seus acionistas requer incentivos financeiros. Eis a velha máxima: algumas pessoas são mais iguais do que outras. Mais cedo ou mais tarde, resulta mal.