As empresas do Ocidente vivem tempos de exaustão. As divisões sociais em torno da desigualdade, da imigração, das alterações climáticas ou da ascensão do autoritarismo estão a refletir-se nas organizações, que se tornaram microcosmos das tensões do mundo exterior. O resultado é um ambiente de trabalho mais polarizado, emocional e difícil de gerir.
Segundo um inquérito recente da Society for Human Resource Management (SHRM), 76% dos trabalhadores norte-americanos afirmaram ter presenciado atos de incivilidade no último mês, e 21% disseram ter sido diretamente visados. Quase metade admite lidar com estes comportamentos semanalmente, e 13% enfrenta-os todos os dias. A SHRM estima que esta deterioração das relações humanas custa mais de 2 mil milhões de dólares diários às empresas, em perdas de produtividade e absentismo.
Num clima de desconfiança e saturação, 44% dos trabalhadores acreditam que o ambiente laboral piorará em 2025, e mais de um quarto admite ponderar deixar o emprego por causa disso. A tensão social já não fica à porta das empresas — entra com cada colaborador. A Harvard Business Review sintetiza os passos para criar líderes mais conflict-intelligent nas empresas.
Quando liderar se torna um risco
Os líderes estão sob uma pressão inédita. Em tempos de polarização, cada palavra pode ser interpretada como uma posição política e desencadear reações em cadeia entre colaboradores, clientes ou investidores. De acordo com um estudo da Weber Shandwick, 65% dos trabalhadores consideram que as empresas têm a responsabilidade de se pronunciar sobre questões sociais e mais de 80% dos consumidores esperam que o façam.
Mas o equilíbrio é delicado. A mesma opinião que aproxima uns pode afastar outros. Talvez por isso, só no primeiro trimestre de 2024, 622 CEO apresentaram a demissão nos Estados Unidos — um aumento de 50% face ao mesmo período do ano anterior. Liderar, hoje, é um ato de exposição permanente.
Face a este contexto, investigadores da Columbia University, ligados ao Morton Deutsch International Center for Cooperation and Conflict Resolution, defendem que os líderes precisam de uma nova competência: a «inteligência para o conflito» (Conflict Intelligence Quotient, ou CIQ).
O conceito, desenvolvido por Peter T. Coleman e a sua equipa ao longo de três décadas, distingue-se da simples inteligência emocional. Não basta compreender as emoções — é preciso gerir as dinâmicas de poder, as perceções e as causas estruturais dos conflitos.
Os líderes com elevado CIQ demonstram autoconsciência e autorregulação, conseguem escutar ativamente, adaptam-se a diferentes contextos e mantêm uma visão sistémica sobre as tensões organizacionais. De acordo com os estudos de Coleman e Nicholas Redding, estas competências estão diretamente ligadas a níveis mais elevados de segurança psicológica, criatividade e bem-estar dentro das equipas. Em culturas onde se pratica uma gestão inteligente do conflito, os colaboradores sentem-se mais valorizados e ouvidos, e o erro é encarado como parte do processo de aprendizagem, não como motivo de punição.
Princípios-chave para uma liderança forte em inteligência para o conflito:
1. Fundar a cultura antes da crise
Um dos princípios essenciais da liderança em ambientes de tensão é ‘preparar o terreno’. Tal como um mediador antes de uma negociação, um bom líder constrói um clima de confiança e diálogo antes de o conflito eclodir.
O exemplo de Alan Mulally na Ford é paradigmático. Quando assumiu a empresa em 2006, encontrou um ambiente de medo e secretismo. A sua primeira decisão foi criar reuniões semanais abertas, onde cada gestor apresentava os problemas da sua área. Quem revelava falhas era elogiado, não repreendido. A mensagem era simples: «Não se pode gerir um segredo.» O resultado foi transformador — uma cultura de transparência e cooperação que salvou a Ford da falência.
Os líderes mediadores integram ainda medidas que reforçam a confiança mútua entre todas as partes, conscientes de que cada interação positiva ajuda a criar uma reserva de estabilidade para enfrentar crises futuras.
Com frequência, em caso de conflito, combinam negociações de cessar-fogo com iniciativas paralelas, como intercâmbios culturais ou projetos económicos conjuntos, que fortalecem a confiança, promovem a cooperação e aumentam a resiliência das relações ao longo do tempo.
2. Equilibrar disciplina e criatividade
Outro princípio essencial é saber equilibrar firmeza com flexibilidade. Bons líderes definem limites claros, mas deixam espaço para soluções criativas.
O caso de Tim Cook, da Apple, ilustra este equilíbrio. Quando enfrentou o dilema entre proteger a privacidade dos utilizadores e expandir as receitas de serviços, recusou ceder em princípios — chegou a desafiar o FBI ao recusar desbloquear iPhones — mas encontrou alternativas tecnológicas inovadoras, como o processamento de dados diretamente nos dispositivos. O resultado foi um crescimento sustentado sem comprometer valores fundamentais.
3. Adaptar-se ao contexto
Nem todos os conflitos são iguais, e a adaptabilidade é uma das marcas da liderança moderna.
A executiva Indra Nooyi, na PepsiCo, enfrentou resistências internas ao introduzir produtos mais saudáveis e políticas de sustentabilidade. Em vez de impor uma estratégia única, adaptou-se a cada mercado e a cada divisão, conciliando metas de curto prazo com uma visão de longo prazo. Durante o seu mandato, a empresa cresceu 80% em receitas e posicionou-se como referência em responsabilidade corporativa.
4. Ver o sistema como um todo
Por vezes, os conflitos dentro das empresas refletem problemas estruturais mais amplos.
O ex-CEO da Unilever, Paul Polman, percebeu que a tensão entre lucro e sustentabilidade não se resolvia com slogans. Ao analisar a cadeia de valor global da empresa, criou o conceito de Sustainable Living Brands, produtos concebidos para reduzir o impacto ambiental e gerar valor social. Em 2019, estas marcas representavam 75% do crescimento total da Unilever. A lição é clara: compreender o sistema é o primeiro passo para o transformar.
5. Pensar a longo prazo
Por fim, os líderes mais eficazes são os que pensam para além do ciclo económico.
A experiência de Marc Benioff, da Salesforce, mostra como a gestão de conflitos pode fortalecer a cultura empresarial. Perante divisões internas sobre contratos com agências governamentais, Benioff criou o Office of Ethical and Humane Use, um espaço institucional para discutir dilemas éticos de forma estruturada. O resultado foi uma empresa mais coesa, com níveis recorde de satisfação e retenção de talento durante a crise global de 2022.
Transformar conflito em cultura
O conflito não é o oposto da colaboração — é o seu catalisador. Quando existe espaço para o desacordo construtivo, as equipas aprendem, inovam e fortalecem-se. O desafio das lideranças contemporâneas é criar organizações onde o confronto de ideias não se converta em confronto pessoal.
Como resume Peter T. Coleman, «a verdadeira liderança não se mede pela ausência de conflito, mas pela capacidade de o transformar em aprendizagem coletiva». Num mundo onde a tensão é inevitável, liderar com inteligência, empatia e visão sistémica é o que distingue quem sobrevive de quem inspira.



