A Europa não está prestes a ser invadida por fascistas, numa repetição dos anos 30 do século passado, mas a nova vaga de direita representa um grande desafio para todas as democracias. Se for mal gerida, pode intoxicar a política, privar de direitos uma grande parte do eleitorado e impedir reformas cruciais da União Europeia. Apesar desta tendência crescente, os europeus têm preferido os modelos liberais e sociais de Democracia aos modelos populistas. Posto isto, o que podemos fazer? O que podem fazer as lideranças? Será o populismo a que assistimos em Portugal e no Mundo uma curta ou uma longa-metragem?
Uma história antiga que teima em repetir-se
Afonso Abecasis – Business Development and Partnerships Manager, Oxford Analytica
A influência distorcida do capital ajuda a explicar por que razão membros eleitos raramente refletem as sociedades que deveriam representar, mas sim uma ínfima porção social. Veja-se a representação das mulheres no governo – embora a sua quota de lugares em legislaturas tenha aumentado, ainda representam menos de um quarto dos deputados. O mesmo se passa com as minorias. Nas famosas seis medidas democráticas de Robert Dahl – funcionários eleitos; eleições livres, justas e frequentes; liberdade de expressão; fontes alternativas de informação; direito de organização política; e cidadania inclusiva – falta-nos a “confiança”. Talvez por que a sua vida abrangeu um período da história em que sucessivas gerações esperavam geralmente que os seus descendentes tivessem uma vida melhor. Com a sua morte, em 2014, isso já não era um dado adquirido.
Nesse ano, tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, as taxas de esperança média de vida e de mortalidade infantil, anteriormente em crescimento, inverteram-se, num decisivo contexto de políticas de austeridade – em resposta a uma grave crise económica, cortes nas despesas públicas e, simultaneamente, em benefícios fiscais às grandes empresas e a essa mesma ínfima porção social. E são estes exatos caminhos que convidaram ressentimentos coletivos difíceis de ignorar.
À mesa democrática sentam-se agora o iliberalismo, o autoritarismo, a desinstitucionalização e a desconsolidação de uma vaga que se prolongava desde 1974. A sua causa? Um populismo, disfarçado sob a “vontade comum”, com uma faca atrás das costas.
Como se pode combater
António Saraiva – Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa
A grande conclusão que retiro da ascensão do populismo, um pouco por todo o Mundo, na Europa e também em Portugal, é a da grande responsabilidade que recai sobre todos quantos se reclamam moderados e defensores das causas e dos valores democráticos e humanistas. Responsabilidade na defesa intransigente dessas causas e valores. É preciso afirmar, com convicção, corajosamente, sem cedências, os valores que os populismos – tanto de direita como de esquerda – desprezam.
Responsabilidade na denúncia da manipulação da realidade e na desconstrução das mensagens simplistas que caracterizam o populismo. Não basta gritar contra o populismo, é preciso desmascará-lo, com pedagogia. Responsabilidade no combate à corrupção, que alimenta o populismo, restaurando a confiança na justiça e nas instituições democráticas.
Responsabilidade na construção de soluções que respondam aos anseios dos cidadãos, não deixando aos promotores da demagogia e da irresponsabilidade o monopólio da promessa de um futuro melhor e mais próspero. São as expectativas frustradas e os sentimentos de desilusão e de medo que têm dado força aos defensores de soluções extremistas e populistas. É preciso contrapor alternativas credíveis a essas soluções.
Este artigo faz parte da edição de outono da revista Líder, publicada em setembro 2024, com o tema Humanity is Calling – Be Silent, Decide with Truth. Subscreva a Líder aqui.