A Black Friday vende liberdade, entrega um corredor estreito, iluminado por néons que piscam “só hoje”, “última oportunidade”, “exclusivo para ti”. O ambiente está desenhado para provocar emoção antes de existir decisão. No ruído deixamos de escolher e passamos a reagir. O consumidor de hoje acredita que está no centro. Mas na verdade, está no circuito.
Durante anos o marketing observou pessoas para antecipar padrões. Hoje, cria-os. O relógio regressivo substitui o raciocínio, a escassez fabricada impõe urgência, a prova social encenada transforma hesitação em medo de perder. A tecnologia que prometia personalização tornou-se condicionamento. A Black Friday não vende produtos, vende velocidade. Compra-se antes de pensar e pensa-se depois. Muitas vezes, já com remorsos.
Mas há um ponto que, sobretudo no B2B, não podemos ignorar: marcas não são sazonais. Negócios entre empresas não se movem por épocas, movem-se por ciclos de confiança e credibilidade. O preço pode abrir conversa, mas nunca fecha relação. Num processo de venda sério, promoção e pricing são insuficientes. Os fatores de decisão estão relacionados com dados a médio e longo prazo, com a redução de risco, o valor acrescentado ao negócio, a fiabilidade da execução, o suporte após a assinatura e a qualidade da integração. Quem compra B2B não procura um desconto, procura um parceiro.
É aqui que o propósito deixa de ser decoração e passa a ser fator diferencial. Propósito é o gancho que alinha produto, roadmap, cultura e serviço com o problema real do cliente. Sem propósito a marca reage ao calendário, já com propósito, dita o critério. E esse critério tem de ser visível, repetido e mensurável: casos com métricas, compromissos claros, trade-offs assumidos, decisões coerentes ao longo do tempo. Preço é tática, mas posicionamento é estratégia. Quem compete por preço aceita ser substituível. Quem compete por ponto de vista, prova e experiência consistente torna-se referência.
Também na comunicação o segredo está menos no grito e mais na disciplina. Marcas constroem-se todos os dias com coerência, consistência e cadência: a mesma ideia, a mesma voz, em formatos diferentes e momentos previsíveis, desde o site ao comercial ou o e-mail ao onboarding. Comunicar só quando a procura explode é ceder o volante ao calendário. Comunicar com cadência é treinar a memória e reduzir a dependência da promoção.
Isto não significa abdicar da Black Friday. Pelo contrário: aproveitemo-la com inteligência. É uma janela útil para acelerar decisões já maturadas, facilitar pilotos bem definidos, remover fricção (não pensamento) e premiar clientes fiéis sem desvalorizar a proposta. O que não funciona é tentar comprimir, em 48 horas, um processo que exige diagnóstico, alinhamento e plano de adoção. Se a oferta expira à meia-noite, o risco expira quando, exatamente?
Do lado de quem compra a defesa é simples e poderosa: distinguir oportunidade de urgência, trocar percentagens por números, instalar pausas voluntárias e pedir evidência. Se eu tirar o contador, a decisão mantém-se? Se a resposta for não, não é decisão, é reflexo. Do lado de quem vende a coragem está em contextualizar preços, clarificar trade-offs sem letras pequenas, oferecer tempo (pilotos e devoluções justas) e medir o que interessa depois do pico: adoção, retenção, satisfação. Curadoria em vez de saturação ajuda tanto como qualquer banner: menos ofertas, mais relevância; menos ruído, mais sentido.
Vivemos num mercado que recompensa o ruído. E depois perguntamo-nos porque é que as marcas soam todas iguais. A saída não é gritar mais alto em novembro, é sim dizer melhor o ano inteiro. No B2B, quem sustenta propósito com produto, serviço e resultados ganha uma vantagem que desconto nenhum compra: confiança. É isso que protege margem, encurta ciclos futuros e cria preferência quando a promoção acaba.
O verdadeiro luxo, nesta sexta-feira negra, talvez seja conseguir não comprar e ainda assim sentir que se ganhou alguma coisa. Às vezes, ganhar é adiar 24 horas. Outras, é assinar um piloto com objetivos claros. Outras ainda, é concluir que agora não é o momento. Em qualquer caso, é um gesto de soberania. As marcas que respeitam esse gesto com coerência, consistência e cadência, deixam a guerra de preços para quem não tem mais nada para dizer. E voltam a transformar marketing em diálogo contínuo, exigente, e, sobretudo, digno de confiança.

