“Sindicato” é, frequentemente, palavra maldita. Mas princípios de justiça social e humanidade, assim como critérios económicos e de sustentabilidade, recomendam maior respeito pela realidade dos factos. Terri Gerstein, fellow na Escola de Direito de Harvard e no Economic Policy Institute, partilhou o seguinte num artigo publicado no The New York Times: “Há alguns anos, um trabalhador de um restaurante da McDonald’s do interior de Nova Iorque, em part-time e com salário mínimo, suspeitou de uma fuga de gás. Quando alertou os seus superiores, foi-lhe dito para ignorar o assunto, sob pena de ser despedido. Chamou os bombeiros e duas coisas aconteceram. Os bombeiros detetaram a fuga e encerraram o restaurante durante o resto do dia. E o trabalhador foi despedido”.
Em Portugal, esta conduta cruel é bastante improvável. Mas o abuso, a intimidação e o medo de ser despedido são reais. Conheci empregados receosos de serem despedidos, ou de não verem os seus contratos renovados, simplesmente por solicitarem autorização para se ausentarem e realizarem exames médicos. Durante a crise pandémica, a intimidação intoxicou algumas empresas – mesmo entre algumas que se atribuem rótulos de socialmente responsáveis. Aludo a esta evidência para dar conta de que, pelo menos para lidar com casos extremos, a afiliação sindical poderia ser um antídoto importante. A queda acentuada dos níveis de sindicalização, que alguns consideram uma bênção para os interesses e o desempenho das empresas, pode esconder ou contribuir para a incubação de amarguras e sentimentos de indignação que podem acabar por manifestar-se por outras vias. A prazo, o combate – seja ele implícito ou explícito – contra a sindicalização pode gerar um efeito boomerang. Do ponto de vista da saúde dos tecidos social e económico, as formas de associação orgânica são mais virtuosas do que os mecanismos inorgânicos.
A diabolização da sindicalização pode, portanto, ser uma praga perigosa. É um ataque a um direito. Cria um perigoso desnível de poder que joga milhões de empregados para situações de fragilidade e precárias – podendo gerar tensões dentro de uma panela de pressão que, mais dia menos dia, pode explodir. Como Jeffrey Pfeffer explicou, a maior parte dos argumentos opositores da sindicalização é incompleta e pouco rigorosa. Konosuke Matsushita, fundador da Matsushita Electric, agora conhecida por Panasonic, escreveu:
“É geralmente assumido que um sindicato vai contra os interesses da gestão. Mantenho, contudo, que um sindicato pode engrandecer a vitalidade de uma companhia e, portanto, trabalhar em prol da gestão. (…) Ainda que muitos presidentes de companhias não participem na cerimónia inaugural do seu sindicato, a minha presença na inauguração [do sindicato da empresa] surpreendeu as pessoas. Quis lá estar porque sentia uma profunda ligação entre os meus empregados e eu, e pensei que o sentimento era recíproco. Agora que os meus empregados tinham instituído o seu sindicato, quis naturalmente congratulá-los”.
Paul Krugman, prémio Nobel da Economia, tem sido um paladino do empoderamento dos empregados através da sindicalização. Tem alegado que essa revitalização é crucial para reverter a espiral de desigualdade e combater a estagnação salarial dos trabalhadores. Motivos adicionais recomendam respeito pela sindicalização responsável. Aumentando as possibilidades de acesso ao tratamento digno e a serviços essenciais, ela contribui para melhorar a qualidade de vida dos empregados e suas famílias, diminuir a probabilidade de os bebés nascerem com défice de peso, e reduzir as taxas de suicídio. Um estudo realizado nos EUA sugeriu que, nos lares de idosos com trabalhadores sindicalizados, a taxa de infeção por Covid-19 foi 42% menor, e a taxa de mortalidade foi 30% mais baixa. Nesses lares, o acesso a equipamentos de proteção individual era maior. Trabalhadores sindicalizados são dotados de mais poder para requererem proteção sanitária – daí resultando benefícios para os próprios, mas também para toda a comunidade. A sindicalização pode também reduzir riscos financeiros.
Diferentemente, quando os empregados se sentem desprotegidos, os riscos de presentismo são maiores. Os trabalhadores doentes, receosos de perderem o posto de trabalho, apresentam-se na empresa – assim aumentando os riscos de contaminação e as possibilidades de acidentes de trabalho. A OCDE argumentou que o declínio da sindicalização e o enfraquecimento da negociação coletiva reduzem o poder de negociação dos trabalhadores e aumentam o poder dos monopsónios.
Naturalmente, quando a luta sindical se transforma numa procissão para reivindicação de direitos, descurando a sustentabilidade da empresa, o seu efeito pode ser perverso. Mas o discurso fundamentalista contra os sindicatos também reforça uma mentalidade de trincheiras perversa para todos os intervenientes. O desenvolvimento sustentável de uma empresa, e da economia em geral, requer respeito mútuo e sentido de responsabilidade de todos os atores.

