Há um conforto quase sedutor em celebrar o passado das organizações, como se cada conquista antiga fosse prova eterna de competência. O problema começa quando esse orgulho se transforma em residência fixa, quando a memória institucional passa de alicerce a pedra amarrada ao tornozelo. Há empresas que tratam os seus “cases de sucesso” como relíquias intocáveis, exibindo feitos de outros tempos com a convicção de que o mundo continuará, por cortesia, a girar ao mesmo ritmo de outrora. O mercado muda, as pessoas mudam, a tecnologia muda, mas a nostalgia corporativa mantém-se firme, ora encantadora, ora paralisante.
A memória institucional, quando viva e flexível, é um activo de enorme valor. Dá identidade, consistência e perspetiva. Mas quando cristaliza, quando se transforma numa espécie de museu da empresa, começa a bloquear aquilo que deveria impulsionar. A experiência, nesse estado endurecido, deixa de ser bússola e passa a ser âncora. Acontece sobretudo quando a repetição de práticas antigas é justificada apenas pela antiguidade, como se a idade de um método lhe atribuísse direitos adquiridos.
Estudos recentes sobre inovação organizacional mostram que culturas rígidas, altamente hierarquizadas e orientadas para a preservação de métodos históricos tendem a ser mais avessas à mudança. Tudo o que foge à norma é visto como risco, perturbação, ameaça. A experiência, nesse ambiente, transforma-se num obstáculo subtil, quase elegante, mas obstáculo na mesma. O passado torna-se argumento, escudo e bengala. E, sem que se perceba, deixa também de ser inspiração.
Aprender com o que já foi feito é essencial, mas viver preso a esse legado é uma espécie de declínio silencioso. A memória deve servir para orientar decisões, não para sufocar possibilidades. É mais útil quando assume a forma de plataforma, não de trono. Não deveria funcionar como mecanismo de nostalgia corporativa, mas sim como ferramenta de contexto que permite construir futuro com lucidez. O que se fez ontem é património; o que se faz hoje é escolha; o que se fará amanhã depende dessa capacidade de olhar para trás sem ficar lá sentado.
O tempo presente não recompensa quem se abriga na repetição. Requer adaptabilidade, coragem intelectual e uma certa irreverência tranquila, aquela que permite reconhecer mérito ao passado sem o transformar em dogma. As organizações que prosperam são, regra geral, as que sabem honrar a própria história sem a idolatrar. As que entendem que memória não é prisão, é referência. As que percebem que evolução e respeito pelo legado não são opostos, são continuidade.
No fim, a grande maturidade organizacional está na capacidade de agradecer ao passado tudo o que ensinou, enquanto se abre espaço para que o futuro entre pela porta da frente, sem ter de pedir licença às glórias de 2005. O verdadeiro progresso acontece quando a história deixa de ser um destino e passa a ser apenas o ponto de partida.

