“O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. A clássica expressão de Lord Acton (1834-1902) é frequentemente usada para descrever a maleita contraída pelo uso do poder – sobretudo quando este é absoluto. A tese subjacente é que mesmo pessoas sérias são corrompidas pelo poder, sobretudo quando este é exercido durante longo período e sem freios e contrapesos. A tese tem fundamento. Todos conhecemos lideranças que, após terem feito bom trabalho e serem aclamadas, caem nas malhas da soberba e tornam-se maléficas. Celebrizadas pelos media e outros observadores, e idolatradas por quem as rodeia, estas lideranças deslumbram-se consigo próprias, desenvolvem excesso de autoconfiança, e adquirem sentimentos de omnisciência e omnipotência. Passam a acreditar que estão dispensadas das regras aplicadas ao comum dos mortais. Perdem autocontrolo, desinibem-se e deixam de ter os pés na terra.
Esta descrição é, todavia, incompleta. Convém atender a quatro outros aspetos. Primeiro: as pessoas mais corruptíveis, mais desonestas e menos dotadas de crenças e valores humanistas são mais atraídas por algumas funções de poder. E, quando o exercem, fazem jus ao seu perfil. A posição de poder é o seu habitat natural, no seio do qual dão mostras do que realmente são. Os processos de seleção de líderes e algumas conceções sobre o que é a liderança eficaz contribuem fortemente para este efeito. Quando consideramos que liderar requer espírito agressivo e maquiavélico, atraímos pessoas com essas caraterísticas. E selecionamos as que mais se compaginam com essa conceção de perfil ideal. Não é surpreendente, pois, que as lideranças selecionadas manifestem o lado sombrio.
Para enfraquecer o laço entre poder e corrupção pelo mesmo, é necessário encarar o exercício da liderança de modo distinto. Necessitamos de alterar a forma como selecionamos as lideranças. Uma analogia facilita a explicação. Imagine que uma unidade policial, em processo de recrutamento de agentes, divulga um vídeo com imagens de polícias de arma em riste perante humanos em protesto. Ouvem-se tiros e sirenes. Uma granada explode. Imagine agora que outra unidade policial divulga um vídeo contendo imagens de agentes servindo e protegendo cidadãos mais frágeis. A mensagem áudio que acompanha as imagens sublinha a importância de cuidar e servir os membros da comunidade. Não será difícil compreender que estes dois processos de recrutamento atrairão candidatos diferentes – e que os selecionados em cada unidade virão a atuar diferentemente.
O segundo aspeto que merece atenção é a natureza dilemática dos desafios experienciados por quem lidera. As lideranças são frequentemente confrontadas com dilemas morais que requerem a escolha entre dois males. Autorizar o uso da força policial perante uma multidão em fúria pode conduzir a fatalidades. Mas a inação pode também gerar efeitos perversos. Qualquer que seja a escolha, o resultado será sempre problemático – e é impossível saber o que teria acontecido se outra decisão tivesse sido tomada. Qualquer que seja a escolha, a liderança não consegue escapar às críticas. Churchill, cujos serviços de inteligência anteciparam o ataque nazi ao navio australiano Sydney, não partilhou esta informação com a Austrália. Temeu que, se o fizesse, Hitler compreenderia que as comunicações de guerra alemãs estavam a ser intercetadas. E a vantagem sobre Hitler seria perdida. Foi criticado – mas também o seria se tivesse tomado outra decisão. Abraham (Abe) Lincoln, que ficou para a história como “Abe Honesto”, corrompeu congressistas para fazer passar a 13ª emenda, assim abolindo oficialmente a escravatura. Punido por ter cão, punido por não o ter!
Terceiro aspeto: o exercício da liderança está repleto de oportunidades para prevaricar. As pessoas sem funções de liderança prevaricam menos porque não são colocadas perante tantas oportunidades. Quarto aspeto: as lideranças são mais escrutinadas do que o comum dos mortais, e esse escrutínio reforçou-se neste mundo altamente mediatizado. As lideranças não são necessariamente mais corruptas do que o cidadão médio – mas são alvo constante e microscópico de escrutínio mediático.
Cinco ideias-chave podem ser extraídas. Primeira: o poder corrompe, mas os corruptíveis também são mais atraídos pelo poder. Segunda: as lideranças não são necessariamente mais corruptas, mas deparam-se com mais oportunidades para ações corruptas. Também são mais escrutinadas. Terceira: quem exerce o poder é confrontado com dilemas morais que requerem a escolha entre dois males. Para exercerem o poder, não escapam a sujar as mãos. Para evitar sujá-las, teriam de abandonar o barco – uma decisão que pode ser moralmente problemática e colocar o poder nas mãos de alguém menos recomendável. Quarta: parafraseando Richard Bellamy, professor de Ciência Política na University College London: “Desejamos políticos com princípios, mas esperamos – ou até os obrigamos – a cometer atos inescrupulosos”. Quinta: em vez de simplesmente apontarmos o dedo às lideranças, podemos levar a cabo processos de escolha de líderes que sejam mais consentâneos com os nossos ideais. Caso contrário, talvez não tenhamos o direito a lamentar-nos!

 
  
  
 