Muitos se fala das relações que cimentam ambientes saudáveis no trabalho, seja com colaboradores, chefias ou até clientes. Mas há um que escapa à maior parte das estratégias: o relacionamento com o nosso mundo interno.
No último episódio do podcast Conversas que Cuidam, uma parceria entre a Fidelidade e a Revista Líder, os ouvintes serão conduzidos a este território onde a psicologia, o trabalho e a vida pessoal se cruzam.
Conduzido por Rita Figueiredo, psicóloga e gestora de pessoas, e Soraia Jamal, psicóloga e psicoterapeuta, este episódio traz Pedro Barbosa, psicólogo clínico, para falar sobre autocompaixão, equilíbrio emocional e como cuidar do património emocional. O tema central que traz é o modelo IFS – Internal Family Systems, uma abordagem terapêutica que Pedro descreve como tendo ‘revolucionado’ a sua prática pessoal e profissional.
E traz uma mensagem central: «Todos carregamos um mundo emocional rico e complexo e ignorá-lo tem custos reais na saúde mental e no trabalho.»
Ouça o episódio completo:
IFS: um mapa para navegar a multiplicidade da mente
Criado por Richard Schwartz, o modelo IFS parte da ideia de que a mente humana não é uma unidade homogénea, mas sim um conjunto de partes internas – pequenas ‘subpersonalidades’ com crenças, memórias e intenções próprias.
Pedro descobriu este modelo em 2018, quase por acaso, e nunca mais olhou para a psicologia da mesma forma. Explica que todas estas partes desempenham funções específicas. Algumas surgem para manter a produtividade, a adaptação e o controlo – são os chamados managers, que procuram garantir que permanecemos funcionais e aceitáveis aos olhos dos outros.
Outras irrompem quando a dor emocional ameaça vir ao de cima, desviando-nos dela com impulsos, explosões ou comportamentos compulsivos – são os firefighters, muitas vezes camuflados de hábitos aparentemente saudáveis, como o workaholism.
Num lugar mais profundo vivem os exilados, partes vulneráveis e frequentemente antigas, carregadas de medo, tristeza e memórias precoces. Tudo isto é equilibrado por uma espécie de «centro interno», o Self, onde residem qualidades como calma, coragem, compaixão, clareza e criatividade. É esse estado que permite curar feridas, integrar partes e agir com maior autenticidade.
A cultura corporativa e o perigo silencioso da repressão emocional
Quanto ao impacto deste modelo no trabalho e na liderança, Pedro identifica um problema estrutural: a cultura corporativa promove emoções «aceitáveis», como eficácia, resiliência, positividade e reprime outras, como a tristeza, a frustração ou a raiva. «É uma questão de tempo. As emoções reprimidas voltam sempre, e muitas vezes sob a forma de irritabilidade, apatia ou burnout», garante.
Numa realidade onde muitos líderes ainda acreditam que vulnerabilidade significa fraqueza, Pedro lembra que a repressão emocional corrói relações, mina a criatividade e rompe o equilíbrio interno.
Se um líder não espelha autenticidade e segurança emocional, ninguém à sua volta vai sentir que pode fazê-lo.
O líder que se conhece é o líder que cuida
O psicólogo defende que a transformação organizacional começa sempre no interior de quem lidera. O primeiro passo é simples de descrever, mas difícil de praticar: autoconhecimento. Saber que partes internas surgem perante um conflito, perceber quando estamos a reagir a partir do medo ou do ego, e reconhecer quando o Self está ativo. Só assim um líder consegue intervir com clareza e não através de defesas automáticas.
Pedro explica que muitas confrontações no trabalho não são ataques pessoais, mas sim manifestações de partes que tentam proteger alguém de fragilidades invisíveis. “As partes ativam partes”, sintetiza. Sem esta consciência, líderes e equipas ficam presos em ciclos reativos, sem espaço para escuta, empatia ou verdadeira resolução.
Pedro propõe um exercício simples para iniciar o diálogo com o mundo interno: parar durante o dia, respirar fundo, fechar os olhos se houver segurança para tal, e observar que emoções, sensações ou vozes internas aparecem. Depois, dirigir-se a elas como se fossem interlocutores reais — porque, segundo o modelo, são. Perguntar: ‘O que precisas?’, ‘Do que tens medo?’, ‘O que te preocupa agora?’. Com o tempo, este mapeamento emocional revela padrões, alivia tensões e cria espaço para escolhas mais conscientes.
E termina com uma mensagem que sintetiza a visão humanista que defende: «A nossa existência pode resumir-se à necessidade de dar e receber amor.» Para o psicólogo, mesmo a raiva, a impaciência ou o fecho emocional são sinais de uma incapacidade momentânea de receber ou oferecer amor – não de maldade ou fragilidade permanente.
Se líderes, equipas e organizações integrarem esta ideia, criam culturas mais seguras, humanas e inovadoras.
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