A cultura organizacional é uma espécie de código não escrito das regras que regulam os relacionamentos sociais. Ao definir o que é aceitável e o que é proibido no “jogo social”, a cultura de uma organização exerce um profundo efeito na forma como as pessoas atuam, cooperam, competem, tomam decisões, lideram e se deixam liderar. Quando a cultura é forte, os membros da organização sabem claramente o que deles é esperado no que concerne à partilha de informação, à forma de reagir a solicitações das chefias, ao modo como responder a desafios dos clientes, ou à decisão a tomar quando existe conflito entre busca de resultados e princípios éticos.
A natureza e as consequências deste “código” social conduzem especialistas e líderes a advogarem a criação de culturas organizacionais fortes que, alegadamente, conduzem a superior desempenho organizacional. Mas importa ser cauto. A força de uma cultura não é, por si só, um indicador da valia dessa cultura. A cultura pode ser forte e, simultaneamente, perversa ou destrutiva. Muitos escândalos empresariais têm ocorrido em culturas organizacionais fortes. Para refletir sobre essa matéria, pense na sua organização. Como responderia às seguintes questões?
- As pessoas atuam frequentemente de modo sigiloso?
- Há desigualdade significativa de poder e status entre os níveis hierárquicos?
- São conhecidos casos de aumentos salariais e promoções em troca de favores sexuais?
- As pessoas recorrem à bajulação para ascender na carreira?
- Comportamentos manipuladores e egoístas são recompensados com aumentos salariais e promoções?
- A reputação dos membros organizacionais depende, acima de tudo, da sua riqueza material?
- Piadas de cunho sexual são consideradas aceitáveis?
- Os gestores desvalorizam a honestidade e a integridade?
- São aceitáveis condutas antiéticas – desde que conduzam a resultados?
- Existe a crença de que o dinheiro pode comprar tudo?
Se respondeu “sim” à maioria dessas perguntas (espero que não!), é muito provável que esteja a trabalhar numa organização tóxica marcada por vários elementos: tolerância à má conduta sexual e ao assédio moral, desequilíbrios acentuados de poder, rivalidade interna, desrespeito pelas normas éticas, resistência à partilha de informação e conhecimento, e expansão agressiva do negócio impulsionada pela prevalência de incentivos monetários como mecanismos de motivação. Organizações marcadas pelo medo de “abrir o bico” e comunicar a verdade ao poder, por uma forte e cega deferência à autoridade, e por uma orientação para resultados a qualquer preço podem ser bem-sucedidas durante algum tempo. Atraem e recrutam quem alinha com essa dinâmica – ao mesmo tempo que afastam “ovelhas negras” que não atuam à luz da cartilha tóxica. Estas organizações podem transformar-se em casos de sucesso e permitir aos seus líderes granjear grande popularidade mediática. Mas, a prazo, estas dinâmicas destrutivas podem conduzir ao descalabro. Com o decurso do tempo, lideranças tóxicas ficam rodeadas por sicofantas, acólitos, oportunistas ou meros espetadores passivos. O discernimento para fazer juízos éticos e morais desaparece.
Eis um caso. Era uma diretora de nível intermédio, em início de carreira, na área de marketing. Cansada de assistir ao bullying que o seu diretor exercia sobre si e outras pessoas, decidiu abandonar a empresa. Foi convidada pelo departamento de RH para a célebre “entrevista de saída”. Aí deu conta das suas observações e das experiências com o referido diretor. Foi surpreendida com o pedido para “formalizar uma denúncia” – como se não estivesse a fazê-lo naquele preciso momento. Os RH, há muito conhecedores do caso, estavam manietados e nunca haviam tomado qualquer iniciativa que cortasse o mal pela raiz. A podridão era, pois, antiga e bem conhecida. Mas o medo havia-se instalado e contaminado mesmo os setores da organização a quem cabia prevenir e corrigir tais disfunções. Pouco antes de abandonar o lugar, a diretora reuniu com o diretor em causa e expôs os motivos da sua decisão. O diretor desfez-se em lágrimas – literalmente.
Se, ao ler esta cena, desenvolveu alguma empatia por este diretor, agora em “sofrimento”, está a cair nas malhas manipuladoras destas figuras sombrias. Sofrem pelo mal que lhes é causado na sua reputação, na sua ascensão a posições de poder – não pelo sofrimento que causam às suas vítimas. Podem prosperar… em culturas fortes!