“Não olha a meios para atingir os fins” é uma boa expressão para representar a abordagem que os líderes maquiavélicos adotam perante a vida e as relações interpessoais. Mas a compreensão destas personalidades requer uma análise mais granular, sem a qual incorremos no risco de não compreender a natureza do fenómeno. Três atributos caraterizam estas pessoas.
Primeiro: os maquiavélicos perfilham uma visão cínica da natureza humana e encaram o mundo como constituído por demónios e tansos (i.e., patetas, totós, palermas). Tansos, para um maquiavélico, são todos os que ainda acreditam em alguma bondade na natureza humana, que tendem a confiar nas outras pessoas, e que são capazes de ajudar o seu semelhante sem esperar nada em troca. Estes tansos são encarados como otários sentimentais que merecem receber uma lição – isto é, ser punidos.
Segundo: os maquiavélicos desenvolvem sentimentos de medo, e mesmo cobardia, perante os demónios – e grande desdém e desprezo pelos tansos. Terceiro: os maquiavélicos não olham a meios para atingir os seus fins. Mentem, enganam e agridem todas aquelas pessoas que eles encaram como fracos, tolos ou otários.
Para lidarem com o “mundo maquiavélico” que assumem habitar, os maquiavélicos são politicamente ativos na adoção de táticas como a mentira, a manipulação e o uso estratégico da influência para dominar e explorar os outros, enquanto fingem ser sinceros e confiáveis na prossecução dos seus próprios objetivos egoístas. As posições de poder e liderança são o terreno de jogo que os maquiavélicos mais ambicionam.
A toxicidade destas personalidades é agravada pelo facto de, frequentemente, serem caraterizados por elevados níveis de narcisismo e psicopatia subclínica. Este triângulo é denominado “tríade sombria” (i.e., dark triad). Investigação que tem vindo a ser publicada sugere que o atual presidente dos EUA simboliza essa tríade. O narcisismo grandioso, que já discuti em artigo anterior, resulta numa busca incessante pelas luzes da ribalta, numa arrogante presunção de que se é mais esperto do que os outros, e na adoção persistente de atos que beneficiam o próprio em detrimento das outras pessoas. O narcisista pode adotar comportamentos amáveis e “altruístas” – mas sempre com intuitos instrumentais e visando benefício próprio. A psicopatia (dita subclínica, porque estas pessoas conseguem fazer vidas “normais” e ser até bem-sucedidas) está associada à falta de empatia, à frieza emocional e à manipulação e exploração despudorada dos outros.
Líderes caraterizados pela tríade sombria são personalidades predatórias que instrumentalizam outras pessoas para prosseguirem objetivos de poder e sucesso. Podem ser estrategicamente sedutores no curto prazo, mas são realmente tóxicos e podem causar grande sofrimento e tragédias empresariais e políticas. Podem rodear-se de personalidades maquiavélicas que também os instrumentalizam, assim gerando uma equipa ou uma organização maquiavélica. O espaço de “colaboração” entre líderes e liderados maquiavélicos pode ser repleto de cobardia, medo e uma diabólica troca de favores instrumentais. Trabalhar com um líder maquiavélico pode ser altamente perigoso – tanto para liderados não maquiavélicos como para os maquiavélicos.
Compreender a natureza psicológica destas personalidades é essencial para que escapemos das suas armadilhas – tanto nas campanhas eleitorais como nos processos de seleção de líderes empresariais. É também crucial – creio – para quem faz comentário político. Nas ações de Trump e de outros líderes da mesma estirpe existe uma racionalidade distinta da que costumamos atribuir a líderes genuinamente preocupados com os seus concidadãos ou os membros das suas equipas e organizações. Comentá-los à luz da tríade sombria poupar-nos-ia alguns equívocos. Por isso concluo com um comentário que já antes teci: é fundamental desenvolver o ensino e a formação sobre má liderança. O primeiro passo para edificar e desenvolver boas lideranças é livrarmo-nos das lideranças perversas.