Putin tornou-se o mais odiado dos líderes. Mas nem sempre foi assim e ainda hoje há admiradores deste sinistro personagem. Como chegámos aqui? Consideremos a evolução da nossa perceção de Putin. Ao início, ele foi o homem que trouxe ordem ao caos da Rússia pós-soviética. Depois de Ieltsin, Putin foi o líder que controlou o país e lhe conferiu uma certa aparência de normalidade. Manfred Kets de Vries, professor no Insead, uma escola de gestão, chegou a descrevê-lo como o CEO da Rússia. Putin seria nesta visão um líder pragmático que eventualmente poderia normalizar a Rússia. Esta fase durou até a dança de cadeiras com Medvedev mostrar que algo estava profundamente errado na sala de comando.
Numa segunda fase o Putin CEO tornou-se autocrata. O seu lado sinistro começou a cimentar-se. Os seus opositores começaram a ser espancados, assassinados, envenenados. A polícia secreta não hesitou em matar pessoas fora de portas, no Ocidente. Invadiu países. Apoiou déspotas. Arrasou a Síria. Abateu um avião civil (da Malaysia Airlines) – ou abateram-no por ele os seus “homenzinhos verdes”. A tudo o Ocidente fechou os olhos.
Na terceira fase emergiu o opressor imperialista. Em nome de uma alegada desnazificação da Ucrânia, o seu exército começou mais uma ação de selvajaria. Para Putin parece haver nazis em todo o lado, menos talvez na Wagner, o seu exército de mercenários que possivelmente vai buscar o nome onde parece, ao compositor favorito de Hitler. O imperialista arrasa cidades e faz-nos perceber que assim tem sido a História. Tenho andado a ler Metrópoles, de Ben Wilson (Desassossego) e, tragicamente, exemplos de cidades arrasadas não faltam.
Mas nada disto devia ser surpresa. Outro livro que tenho andado a usar para descodificar a situação, Putinlândia de Bernardo Pires de Lima (Tinta da China), um livro de 2016, explica tudo. Só lá faltam as datas. Um excerto: “Ninguém queria uma guerra na Europa. Acontece que ela já existe, Putin não tem feito mais do que gozar com os líderes europeus” (p.67). Não podemos por isso dizer que ficámos surpreendidos por falta de aviso.