Mao Tsé-Tung, que liderou uma das ditaduras mais perversas da história, fez a seguinte recomendação a Ho Chi Minh, líder do Vietname, em 1966: “Segue o meu conselho: nem todos os teus súbditos te são leais. É possível que a maioria seja leal, mas talvez um pequeno número diga que te deseja ‘longa vida’ quando, na realidade, te deseja morte prematura. Quando eles gritam ‘longa vida’, deves ter cautela (…). Quanto mais te elogiam, menos podes confiar neles”.
O conselho está tão repleto de sabedoria quanto de veneno. Alguns líderes, para se protegerem dos perigos da bajulação, rodeiam-se de quem lhes diz a verdade, por mais desconfortável que seja. É uma postura sábia. Mas outros líderes, com pendor autoritário, encaram o conselho de forma perversa e semeiam veneno. Incapazes de lidar com vozes discordantes, rodeiam-se de bajuladores. Desconfiados da autenticidade dos encómios, ficam atentos ao mais pequeno sinal de “deslealdade” e tornam-se obsessivamente doentios na forma como lidam com as pessoas que os rodeiam. Os liderados captam o perigo e começam a competir no campeonato da bajulação: para darem mostras de lealdade ao líder, acrescentam bajulação à que outros liderados já praticam. O que ocorre no campeonato das “vivas” e aplausos dirigidos a alguns “queridos líderes” é elucidativo: ninguém quer ser o primeiro a baixar as mãos. Ser o primeiro pode ser interpretado como revelador de menor entusiasmo pelo líder – um risco muito perigoso.
Este caldo relacional e emocional ajuda a explicar a emergência do culto da personalidade. Matando (por vezes literalmente) o mensageiro da má notícia e vivendo num permanente estado de paranoia perante qualquer sinal de deslealdade, esses líderes conduzem os liderados a tudo fazerem para caírem nas suas boas graças ou, pura e simplesmente, salvarem a pele. Os liderados mais empedernidos tornam-se ridículos – mas esperam compensar essa imagem com as graças provindas do chefe.
O processo de edificação do culto da personalidade torna-se então absurdo e irracional. Os sicofantas de Franco denominavam-no como o “Messias da redenção cívica”. Afirmavam que o ditador havia sido enviado pela Providência para salvar Espanha. Ceauscescu, que liderou a Roménia durante mais de quinze anos, era “o Gigante dos Cárpatos”, “a Fonte da Nossa Luz”, “o Corpo Celestial”, “a nova Estrela da Manhã” ou “o Tesouro de Sabedoria e Carisma”. Mobutu Sese Seko, que liderou o Zaire (ex-República Democrática do Congo) durante mais de três décadas, era o “Profeta” e o “Messias”. O seu Ministro do Interior chegou a propor que os crucifixos nas escolas fossem substituídos pela imagem de Mobutu. Na Coreia do Norte, muitos acreditavam que Kim Il-sung e Kim Jong-il eram seres perfeitos que não urinavam nem defecavam. A alma de Hugo Chávez foi revelada a Nicolás Maduro, quando este orava, através de um pajarito chiquitito que voou sobre a sua cabeça!
Engana-se quem pensa que a natureza absurda e ridícula destes processos é exclusiva da vida política. Tenho conhecido, ao longo da vida, bajuladores natos. Alguns, em posições de vulnerabilidade, bajulam para sobreviverem – o que é, digamos, legítimo. Mas outros transformam-se em bajuladores profissionais desejosos de acederem a benesses e subirem a escada do poder. São ridículos – mas esse é o preço que pagam pelo acesso ao poder e ao líder. Aos líderes de culto, como Adam Newman (o anterior extravagante CEO da WeWork), Carlos Ghosn (outrora líder da Nissan), Carly Fiorina (antiga líder da HP), ou John Thain (que liderou a Merril Lynch), não se transmitem más notícias. Pedro Queiroz Pereira (1949-2018) afirmou que “nada era feito sem o conhecimento de Ricardo Salgado” e que o ex-DDT não lidava bem com a verdade. As pessoas raramente dele discordavam – e quem discordava “passava um mau bocado”. As reuniões de gestão eram uma espécie de “barbecues” – as pessoas eram frequentemente colocadas “no grelhador”. Um antigo vice-presidente do Lehman Brothers afirmou a propósito de Richard Fuld, o CEO que liderou a instituição até à falência: “No Lehman Bothers, ou você baixava a cabeça e mantinha o emprego, ou perdia ambos”.
O culto da personalidade é um perigo para os liderados, as organizações e, frequentemente, os próprios líderes. Quando se entra no campeonato da bajulação, pode ser difícil abandoná-lo. A aura carismática transforma-se em fonte de toxicidade. O perigo evita-se através do comportamento dos líderes – que devem estimular a expressão de vozes críticas e rodear-se de quem lhes diz a verdade. Mas os liderados são parte crucial da equação. Só há culto quando há deuses e adoradores. As universidades e as escolas de negócios devem, pois, ensinar a liderar. Mas também lhes cabe estimular o pensamento crítico, em prol do desenvolvimento de cidadãos e membros organizacionais mais responsáveis e menos deslumbrados com lideranças de culto.
Por Arménio Rego, LEAD.Lab, Católica Porto Business School