O protótipo de um líder narcisista grandioso é um indivíduo caracterizado por um ego insuflado, alimentado por desejos de poder, admiração e celebridade. Este atributo da personalidade expressa-se em comportamentos dominadores, agressivos e desprovidos de empatia. Indivíduos narcisistas, sentindo-se especialmente talentosos e competentes, atribuem-se direitos e regalias que recusam aos outros. Investem na conquista de posições de poder para satisfazerem as suas necessidades de admiração e validarem a sua autoimagem de pessoas especiais. São exímios na persuasão e na manipulação.
Podem ser altamente sedutores das suas presas, abandonando-as quando estas deixam de lhes ser instrumentais. Atraem coniventes e oportunistas – de quem esperam absoluta lealdade pessoal. Encarando as discordâncias como ataques pessoais, retaliam. Rodeiam-se de sicofantas, de quem esperam entrega total e submissão a uma agenda exaustiva. Confiantes nas suas especiais capacidades e forjando as “verdades” que se coadunam mais com os seus desejos do que com a realidade, tomam decisões audaciosas. Desta ousadia podem resultar sucessos extremos que líderes “normais” não alcançam – mas podem também provir resultados desastrosos e trágicos. A investigação sugere que estes líderes, em média, não alcançam melhor desempenho para as suas organizações do que outros líderes – mas alcançam resultados mais extremos (i.e. muito melhores ou muito piores) e voláteis ao longo do tempo.
A esta descrição sumária acrescente-se o fenómeno que alguns investigadores caraterizam com a metáfora do “bolo de chocolate”. Inicialmente, comer chocolate é gratificante. Mas o prazer pode conduzir a custos de longo prazo para a saúde, acabando por gerar apreensão, insatisfação e mesmo repulsa. Com seguidores de líderes narcisistas pode ocorrer algo similar. O encanto inicial dos liderados perante um líder autoconfiante, audacioso e que promete trazer fama, grandeza e bem-estar transforma-se em repulsa quando se dão conta de que caíram na esparrela. Recentemente, uma diretora de RH partilhou comigo: “Contratamos uma pessoa extraordinária que nos impressionou durante todas as fases do processo de seleção. Logo no dia em que começou a trabalhar, demos conta de que havíamos cometido um grande erro”.
Sendo Donald Trump um epítome de líder (híper)narcisista grandioso, o que podemos esperar da sua liderança? Para responder, socorro-me de várias fontes: a observação da sua conduta pública, biografias e trabalhos académicos que sobre ele têm sido escritos, e investigação publicada sobre a liderança narcisista. Não pretendo ser oráculo – apenas desejo fazer um exercício prospetivo, naturalmente repleto de riscos. O exercício é válido para a liderança política, mas também empresarial. Os narcisistas são frequentemente eficazes na obtenção de lugares de poder, servindo-se do nosso equívoco: tomamos a confiança, a ambição e a ousadia como indicadores de competência. O erro pode sair-nos amargo. No exercício da função, os líderes narcisistas são mais propensos à fraude, à manipulação das contas, a aquisições extravagantes – e, com o apoio mais passivo ou mais passivo dos liderados, podem gerar efeitos destrutivos. A compreensão do perfil narcisista pode, pois, ajudar a tomar medidas preventivas.
Voltando à questão: o que podemos esperar da liderança de Trump? É provável que continue a fazer afirmações bombásticas. Que insufle sucessos, pinte fracassos com cores de sucesso, e que impute erros e falhas inegáveis às vítimas do costume – mas nunca a si próprio. Que reaja irado e retalie perante discordâncias que interprete como deslealdade pessoal. Que procure colocar-se acima de regras, normas e leis que impeçam a concretização da sua agenda. Que lute para remover do sistema de freios e contrapesos tudo o que represente obstáculo à sua vontade. Que despreze pessoas em situações de fragilidade e se faça retratar faustosamente na companhia de lideranças “fortes” – isto é, autocráticas. Que diga uma coisa e o seu contrário, logo fazendo alarde do seu génio, da sua humildade e do seu apego à verdade. Que vá sendo abandonado por (ou se descarte de) quem se vai dando conta dos malefícios do “chocolate”. Que não sinta qualquer remorso pelo mal que causa – e que tente mesmo moralizar as suas diatribes imorais, injustas e nocivas. Que continue a ser alvo da adulação de oportunistas e coniventes. Que cavalgue narrativas populistas e reforce o caldo de polarização que tomou conta dos EUA e vai alastrando mundo fora.
Reconheço que esta é uma projeção algo simplista e mesmo caricatural. Sei, pela investigação, que níveis moderados de narcisismo são virtuosos. Também sei que um elevado narcisismo pode ser benéfico se for temperado com humildade e sabedoria, e domado por um sistema de governança que previna abusos de poder. Mas não é esse o cenário que se avizinha. Também não canonizo os opositores políticos de Trump. Até acredito que o 47º Presidente dos EUA possa alcançar grandes e virtuosos feitos. Mas não nego que me assusta o mundo que Trump e o Trumpismo representam. A sua conduta desbragada, que normaliza a indecência e a incivilidade, é uma fonte de aprendizagem vicariante para muitos aprendizes e praticantes da liderança por esse mundo fora. Os mais afetados não seremos, porventura, nós – eu que escrevo este texto e o leitor que o lê. Mas se avaliarmos as lideranças apenas em função do nosso interesse pessoal, e ignorarmos os apelos do Papa Francisco à compaixão, à empatia e ao respeito pela dignidade humana, acabaremos por validar e legitimar práticas sombrias de liderança.
