“Todos, todos, todos” – expressão que o Papa Francisco usou na recente JMJ – é o expoente simbólico da inclusividade e diversidade (I&D). O tema está na moda e prolifera no espaço mediático. Numerosas organizações têm vindo a adotar, genuinamente, práticas de I&D. Outras simplesmente cavalgam a onda para, através de narrativas e campanhas publicitárias, se autopromoverem e conquistarem reputação. O marketing inclusivo é uma dessas autopromoções que, frequentemente, não se traduzem em substância na ação. Vejam-se os casos de organizações que se autopromovem como paladinas da diversidade (de género, normalmente) – mas matam o mensageiro da má notícia, buscam o pensamento único, e fazem a vida negra aos trabalhadores pobres a quem pagam miseravelmente.
Não me levem a mal, pois sei que o respeito e a dignidade imperam em numerosas organizações e são bússola para inúmeros empresários e gestores. Pretendo apenas sinalizar que, se somos realmente amantes da I&D, não devemos recorrer apenas à parcela da linguagem de Francisco que serve os nossos interesses – e desprezar tudo o resto.
Se queremos combater a “economia que mata”, é necessário que as práticas de gestão e liderança sejam realmente mais inclusivas e não incluam apenas o que dá jeito ou está na moda.
A quem considera que esta abordagem é naïf e utópica, relembro que essa crítica foi dirigida a quem pugnou por utopias como o voto das mulheres, a abolição da escravatura e da pena de morte, o fim do Apartheid – ou a legalização dos sindicatos. Na Alemanha, a utopia da presença de representantes dos trabalhadores na Administração das grandes empresas foi realizada.
A minha utopia é a de Sumantra Ghoshal (1948-2004), que foi professor de Estratégia e Gestão Internacional na London Business School, e Reitor fundador da Indian School of Business. Ghoshal relembrou o que Herbert Simon, Nobel da Economia em 1978, assinalara: vivemos numa economia de empresas, mais do que numa economia de mercado. O que as empresas fazem ou não fazem, e o modo como o fazem, é fundamental para o desenvolvimento económico e social. É, pois, crucial que a gestão se paute por um “contrato moral” que associe a empresa, os seus gestores, os empregados e outros stakeholders na prossecução de um “destino comum”.
Quando a piton e a galinha estão na mesma jaula, é a primeira que come a segunda. Mas transpor essa noção para a gestão e a liderança das organizações é má teoria. Pode ser usada para tentar moralizar o modo como a piton lidera a jaula – mas ignora que a prosperidade das empresas, das economias e das sociedades depende de relações de confiança e cooperação. Encarar a liderança e a gestão segundo a lógica da “piton que come a galinha” poderá acabar mal. A polarização e as tensões sociais e políticas que têm vindo a ocorrer um pouco por todo o mundo são um mau presságio.
Acrescento, pois, outra mensagem lembrada por Francisco: a única situação em que é legítimo olhar o outro de cima para baixo é quando o outro está em baixo e é preciso ajudá-lo a (re) erguer-se. Esta noção está no cerne da liderança servidora nas organizações, um estilo de liderança sobre o qual vários estudos têm sido realizados. A investigação é bastante clara: a liderança servidora contribui para o empenhamento e o desempenho dos indivíduos e o bom funcionamento das organizações. Simetricamente, a liderança que instrumentaliza os outros e deles se serve está na base de práticas e escândalos empresariais que têm semeado destruição e sofrimento nas vidas de numerosas pessoas e causado enormes danos económicos e sociais. Afinal, também se pode aprender liderança com Francisco! Tenhamos abertura de espírito – e mais desejo de servir.