Quando se fazem apostas na prosperidade e na sustentabilidade das organizações, é frequente colocar a maior parte das fichas na liderança. Mas as organizações são empreendimentos coletivos cuja sustentabilidade depende da forma como as energias, os talentos, as capacidades e as motivações das pessoas – tanto líderes como liderados – são nutridas e potenciadas.
São tão mais sustentáveis e bem-sucedidas quanto mais se caraterizam por um clima de confiança que encara os liderados como adultos e não como autómatos sem cérebro nem sentimentos, apenas movidos pelo pau e pela cenoura. A confiança é um ingrediente intemporal de qualquer sistema social.
Em ambientes organizacionais ricos em confiança, as pessoas partilham conhecimento e informação. Colocam as suas forças ao serviço da equipa e da organização. Identificam erros e falhas. Expressam discordância quando discordam – e apoiam entusiasticamente soluções com as quais concordam. Debatem abertamente problemas, soluções e oportunidades, assim contribuindo para a melhoria da qualidade das decisões.
Ajudam e pedem ajuda. Criticam – e também respeitam as críticas que lhes são dirigidas. Usam os seus cérebros para atuarem como radares que interpretam a envolvente e identificam formas de lidar com as mudanças e as oportunidades assim detetadas. Apreciam o consenso, mas não calam dúvidas nem discordâncias, quando as têm. Estão cientes de que os consensos podem ser perigosos quando operam como mantos de ocultação de uma realidade repleta de dissonâncias.
As organizações repletas de genuína confiança, no sentido antes descrito, não são espaços celestiais e de harmonia. A discussão pode ser acesa. As divergências e as tensões podem ser desconfortáveis, pelo menos durante o calor da discussão. Mas não descambam em ataques pessoais nem impedem o espírito cooperativo e a partilha.
Debatem-se assuntos substantivos – não se discutem pessoas, personalidades, ou malévolas intenções. O respeito impera. Estas organizações são incomparavelmente mais saudáveis e fontes de realização pessoal do que as caraterizadas pela paz dos cemitérios. Nestas, não há debate. Mas é uma paz sem vida, sem energia.
A confiança funciona, pois, como importante lubrificante do sistema social (expressão usada por Kenneth Arrow, prémio Nobel da Economia em 1972) das boas organizações. Sem confiança, é impossível edificar espaços organizacionais que prezam a clarividência, lucidez, a dignidade e a humanidade. É com esse intuito que proponho um diagnóstico de avaliação do clima de confiança na sua organização.
Reflita sobre o modo como os membros da sua organização responderão às seguintes questões:
- Quando as pessoas cometem um erro, assumem-no e discutem-no? Ou escondem-no porque receiam represálias?
- Os fracassos são discutidos e é estimulada a discussão sobre o que pode aprender-se com eles? Ou prevalece o lema “moita-carrasco”?
- Quando um erro é identificado, tanto líderes como liderados assumem a sua responsabilidade? Ou procuram bodes expiatórios e apontam o dedo ao vizinho?
- As pessoas sentem-se à-vontade para chamar a atenção para problemas e questões difíceis? Ou temem ser repreendidas sob a ameaça de que “quero que me tragam soluções, não problemas”?
- As pessoas sentem liberdade para discordar das chefias? Ou sentem-se apenas seguras para bajulá-las e dizerem-lhes o que elas, as chefias, gostam de ouvir?
- Quando não sabem algo, as pessoas reconhecem essa ignorância? Ou ocultam-na para não serem rejeitadas ou censuradas?
- As pessoas podem pedir ajuda sem temerem ser apodadas de estúpidas, ignorantes ou incompetentes? Ou preferem não mostrar vulnerabilidades?
- Quando uma pessoa atravessa dificuldades, na vida profissional ou na pessoal, pode partilhá-las porque sabe que receberá compreensão e apoio? Ou evita mostrar essa fragilidade para não ser prejudicada na avaliação de desempenho ou na carreira?
- As pessoas podem partilhar conhecimento e ideias, e podem ajudar as outras, sem receio de serem alvo de comportamentos oportunísticos? Ou temem que essa partilha seja indevidamente usada pelos seus “competidores”?
- As competências e os talentos das pessoas são valorizados e utilizados? Ou a inveja e a competição sem escrúpulos imperam?
- As pessoas sentem que a organização e as lideranças se preocupam verdadeiramente com elas? Ou sentem-se tratadas como meros dentes da engrenagem?
Deixo o teste ácido para o final. Se, como líder da organização, está contente com as suas respostas a estas questões, aplique o diagnóstico, de modo anónimo, aos membros da sua organização. Se entende que não vale a pena fazê-lo (porque a sua análise, como líder, é suficiente), cuide-se: a sua organização talvez não seja esse lugar tão confiável quanto o por si descrito.
A sua crença de que não há motivos para auscultar as pessoas é uma forte razão para, precisamente, aplicar o diagnóstico a toda a organização. Se os resultados forem sofríveis, é capaz de partilhá-los?
Se não o fizer, apenas alimentará a sua própria ilusão, pois a organização não terá quaisquer dúvidas sobre a razão pela qual não os partilha!
Este artigo foi publicado na edição de outono da revista Líder. Subscreva a Líder aqui: Revista Líder | Tema Central | Loja Online– LÍDER