As falhas éticas na liderança são perversas para as organizações, pelo menos no longo prazo. Para quem tem dúvidas, eis um rol de exemplos ilustrativos: BES, BPP, BPN, Theranos, Boeing, Enron, Dieselgate (Volkswagen), Wirecard, WeWork, Nikola, Nissan/Carlos Ghosn, e Wells Fargo. Para uma quantidade significativa de pessoas que leem este artigo, os três primeiros casos serão mais familiares do que os restantes.
Mas basta googlar o nome de cada uma dessas outras empresas, juntamente com a palavra scandal, para rapidamente obter elementos que permitem compreender a gravidade do que ocorreu. A evidência provinda desses e doutros casos é também demonstrativa de que, frequentemente, a malignidade recai sobre os próprios líderes. Não creio haver muitas pessoas dispostas a arriscar viver as experiências tardias de Ricardo Salgado, João Rendeiro, ou Oliveira e Costa – pese embora todo o esplendor que, durante muitos anos, essas personalidades fruíram.
Naturalmente, há lideranças que escapam à sina e vivem confortavelmente – apesar do rasto perverso que deixam nas organizações, empregados, clientes, fornecedores e financiadores. Há quem recorra a estes casos de “sucesso” para argumentar que a falta de ética é compensadora. Mas eu recomendaria que fosse também prestada atenção à miséria ética e reputacional em que várias lideranças se colocaram. Que o diga Ricardo Salgado, o DDT que em tempos áureos afirmou que “o sistema capitalista é amoral” e “as pessoas é que são morais ou imorais”. Que o diga Elizabeth Holmes, a outrora multimilionária, célebre fundadora da Theranos, agora a amargurar uma pena de prisão superior a uma década. Ou pensemos na tragédia existencial que acometeu João Rendeiro.
Perante estes desastres éticos, com múltiplas consequências, ocorre perguntar: porque algumas lideranças adotam condutas antiéticas? Por antiética entenda-se qualquer prática que viola a lei ou padrões de ética, ou que encoraja os liderados a cometer atos antiéticos. Cometer abusos sobre os liderados, praticar fraudes contabilísticas, “embelezar” documentação, desviar fundos, ou enganar dolosamente clientes – eis exemplos de práticas antiéticas. O que conduz as lideranças a estas ações e omissões, ou a pressionar os liderados para que as adotem? Uma resposta óbvia, mas incompleta, é: essas lideranças são dotadas de personalidade desonesta.
A resposta é incompleta porque subestima a diversidade de fatores conducentes à liderança antiética, dos quais sublinho os seguintes:
- Algumas pessoas são, de facto, dotadas de uma personalidade antiética e até “perigosa”. Sendo também manipuladoras e persuasivas, essas pessoas alcançam lugares de poder – até que, então, revelam o seu esplendor não-ético.
- Lideranças célebres pelas suas “boas ações” podem desenvolver a sensação de licenciamento moral. Porque praticaram (ou assim se presumem) “boas ações” no passado e são alvo de encómios sociais e mediáticos, estas lideranças presumem terem conquistado créditos morais que as autorizam a praticar ações antiéticas.
- Quando os ídolos mediáticos são estimados pelos seus sucessos, e a forma como os alcançam é retirada da equação, há riscos de uma quantidade considerável de líderes (e aprendizes de liderança) mimetizarem esses ídolos e adotarem condutas antiéticas.
- Quando a liderança de topo atua com desprezo pela ética, é provável que as lideranças a outros níveis sejam encorajadas a adotar condutas não éticas. Quem não está disposto a alinhar por esse diapasão sofre represálias – ou abandona a organização, deixando terreno livre para a manutenção do status quo.
- Algumas lideranças bem-intencionadas e tendencialmente éticas são capturadas por uma cultura organizacional abrasiva, hostil e antiética. Quando se dão conta, estão a praticar o mal que não desejavam.
- Alguns sistemas de gestão de objetivos são de tal modo agressivos que, para alcançar esses objetivos, as lideranças cometem ações antiéticas. O caso Wells Fargo, que merece ser estudado por todas as pessoas que exercem funções de liderança, é paradigmático. O mesmo efeito perverso ocorre em organizações com culturas predominantemente orientadas para a maximização do valor para o acionista e geridas para simplesmente fazer dinheiro. Os desastres com aviões Boeing, e o efeito destrutivo dos mesmos no valor da empresa, são ilustrativos. Daí o efeito paradoxal: no longo prazo, as empresas que vivem para simplesmente fazer dinheiro não são as que mais dinheiro ganham.
Este elenco de explicações tem implicações práticas significativas. Se a liderança antiética se alimentasse apenas da personalidade do líder, bastaria ser sábio na seleção de líderes e, se esse filtro fosse insuficiente, remover os que depois se revelam “más maçãs”. Todavia, como o fenómeno é mais complexo, o evitamento da liderança antiética requer atenção redobrada a outros sistemas. Tanto a liderança ética como a antiética são processos que envolvem a interação entre líderes, liderados e o contexto. Não basta prestar atenção apenas a um destes vértices. Daí a tão célebre questão: “más maçãs” ou “más barricas”? Eis a resposta: ambas.
Desejo-lhe boas férias!