Luiz Moutinho, Nuno Teixeira e André Zeferino são os autores do livro Marketing Futureland – Antecipação e Resposta ao Futuro do Marketing. Numa nova era para as empresas e marcas, o Marketing tem hoje uma posição privilegiada na criação de mais humanidade, onde a tecnologia tem um papel crucial. Para os autores e especialistas, o futuro do Marketing assenta num novo paradigma em que se procuram os produtos para os clientes, e na construção de marcas autênticas como uma afirmação da vida. Com transparência e sem ultrapassar os limites que são as pessoas, o Marketing caminha para ser, cada vez mais, o que vai fazer a diferença na vida dos consumidores e do mundo que os rodeia.
Temos cada vez mais a certeza de que tudo é cada vez mais incerto. O Marketing está preparado para esta nova normalidade?
A frase que partilha faz pensar e traz a realidade com que os profissionais de Marketing têm de lidar: a certeza da incerteza! O Marketing é a voz do cliente na organização e a sua orientação para tornar este cliente na peça central da estratégia e acompanhá-lo na sua mudança, dá ao Marketing uma posição privilegiada nesta nova normalidade – quem, melhor que o Marketing, pode acompanhar o cliente e, em simultâneo, orientar a transformação necessária nas empresas? Portanto, diríamos que o Marketing está particularmente capacitado para liderar a mudança nesta nova normalidade, se for capaz de adotar um novo mindset na forma como constrói uma visão de futuro, se relaciona com a tecnologia e como coloca a pessoa humana de novo na estratégia.
Philip Kotler disse que o Marketing é o uso criativo da verdade. É disso que se trata quando se fala numa marca autêntica?
Devemos entender esta utilização criativa da verdade como um apelo do Professor Philip Kotler a uma missão, a uma humanidade e um compromisso de desenvolvimento, porque o progresso de uma sociedade não pode ser visto apenas de um ponto de vista económico, mas também social, de equidade e também de felicidade! As marcas autênticas são aquelas que se preocupam com os consumidores e que se excedem na entrega de um bom produto ou serviço, contribuem para o bem e felicidade pessoal e têm um impacto positivo e transformador na comunidade e sociedade onde se inserem. Marcas autênticas têm esta capacidade de serem mais do que produtos e serviços, para ser uma afirmação de vida. E aqui só podemos concordar com o Professor Kotler – temos de prosseguir para um entendimento do Marketing e marcas apenas como vender estritamente produtos e serviços, para uma visão mais alargada de como podemos fazer a diferença na vida dos consumidores e do que nos rodeia.
Quais os traços do Marketing do futuro?
O futuro tem sempre muito de inesperado e todos nós, de alguma forma, tentamos antecipá-lo e controlá-lo. A realidade com que o Marketing pode vir-se a deparar pode ser muito mais complexa e diversa do que o antecipado, por isso a única forma de estarmos preparados é “treinar” para o futuro, o que significa estar atento, saber ouvir, desafiar o assumido, pesquisar, refletir e, sobretudo, pensar estrategicamente e agir muito rapidamente, em ciclos iterativos cada vez mais rápidos. Esta preparação para o futuro incerto implica um repensar do marketing em vários traços: Pensamento ágil, Pessoas & Propósito e Tecnologia Humana.
Na era dos dados e do digital, a informação, estudos e métricas estão na base da estratégia. E as emoções? Como se constrói a relação?
Os profissionais de Marketing têm atualmente ao seu dispor a tecnologia e os dados que permitem responder de uma forma mais específica e personalizada e, nalguns casos, de forma hiperpersonalizada. No entanto, a principal mudança não é tecnológica, mas cultural e humana, porque implica o estabelecimento de uma relação efetiva de compreensão, escuta e perceção das emoções que estão subjacentes – é preciso demonstrar empatia a níveis mais profundos. Porque o consumidor é uma pessoa, devemos mudar o paradigma de B2B ou B2C para H2H: human to human, e apostar em experiências pessoais personalizadas, onde a tecnologia tem um papel crítico. Mas as empresas estão ainda muito presas a conceitos de Marketing “relacional” que, de facto, apenas beneficiavam as empresas. As próprias métricas que hoje utilizamos mostram que mensuramos o que é possível e não necessariamente o que devíamos!
A tecnologia precisa de gerar interações humanas significativas e cabe aqui ao Marketing orientar essa criação de humanidade. A construção da relação deve juntar tecnologia e dados históricos com a compreensão do contexto via processos de escuta e sensing ativos, procurando oferecer experiências únicas, pessoais e verdadeiras – surpreendendo o consumidor, cuidando dele, fazendo-o sentir único, compreendido e escutado.
O Marketing digital permite e agiliza múltiplas funções e ferramentas que vieram facilitar a vida das pessoas. Mas há o outro lado, da influência do comportamento e tomadas de decisão. Onde está a fronteira?
A fronteira estará sempre nas pessoas. Do lado do Marketing, estará na forma como entendem o Marketing no seu papel social e como contributo para um bem maior, usando as ferramentas ao seu dispor para promover uma reflexão e mudança positiva, alinhada claramente em torno de um propósito claro. Esta transparência que se deseja das marcas será validada pelos consumidores que escrutinam cada vez mais as marcas e que tomam decisões com base em emoções e vínculos que vão muito mais além do que apenas produtos e serviços. A fronteira estará também nos comportamentos éticos que as empresas terão de ter em todas as suas ações, promovendo alguma diversidade de pensamento e não tendo como objetivo o lucro a todo o custo, com um foco estrito no curto prazo.
O tema do bem-estar e saúde mental permite uma aproximação às pessoas, pelas empresas e marcas. De que forma o Marketing e a comunicação podem aproveitar esta tendência, sem ultrapassar limites nem pondo em causa a própria saúde e bem-estar?
A tomada de consciência ética das marcas e a definição clara do seu propósito e da forma como se integram e contribuem para a vida dos seus consumidores é a condição primeira. Após este estabelecimento de confiança e com base numa transparência radical, podem e devem as empresas escutar ativamente e compreender os seus consumidores atuando em três grandes dimensões: Demonstrar empatia e atenção humana; Utilizar os dados e informação partilhada para criar experiências personalizadas e dar sugestões de melhoria e otimização pessoal, desafiando-as a dar o melhor de si; Assumir uma postura de “defensores” dos seus clientes, assumindo-se como uma “marca plataforma” que procura os melhores produtos e serviços para os seus clientes. É uma mudança de mindset a dois níveis: passamos da segmentação, targeting e posicionamento tradicionais, em que procurarmos clientes para os nossos produtos, para um outro, em que procuramos produtos para os nossos clientes.
No mundo da IA e da cloud, do intangível e etéreo, as pessoas são feitas de matéria e vivem no mundo real. O Marketing pode ser a ponte entre o físico e o não físico?
O Marketing deverá ser o pioneiro e o garante da consistência da experiência da marca em cada ponto de contato, pois deverá acompanhar os clientes, aprender rapidamente e explorar novas possibilidades, mas não poderá esquecer todas as outras presenças da marca e, sobretudo, a consistência na expressão do valor da marca. Ele será a força de construção, inovação e ligação nas empresas do futuro e que incorporem desde já esta visão na sua cadeia de valor, por isso será natural e desejável para as empresas mais ágeis que o Marketing assuma este valor de ligação e de motor da criação de valor.
Devemos ir um pouco mais fundo e perceber que a mudança de base está na reemergência do papel do Marketing enquanto filosofia dinamizadora das organizações, como conector, facilitador e respondedor às necessidades de pessoas – clientes e colaboradores – das organizações.
Por Rita Saldanha
Este artigo foi publicado na edição de verão da revista Líder. Subscreva a Líder AQUI.