«Agora parece que toda a gente tem problemas de saúde mental.» «No meu tempo não havia problemas de saúde mental como agora.» «Isto agora parece que são todos muito fraquinhos e estão sempre a queixar-se.»
Ainda ouvimos expressões destas por aí. Mesmo quando depois vêm acopladas do reconhecimento da existência de problemas de saúde mental que devem ter apoio e merecer políticas e estratégias de prevenção.
Por vezes, é como se acreditassem que “existir, existem, mas comigo ou aqui não, só quando se trata de pessoas pouco preparadas ou frágeis».
Só que a realidade é um pouco diferente destas crenças, por vezes muito autocentradas e na maior parte das vezes sem quaisquer evidências que as suportem. Mas não estamos a dar muito mais atenção a este assunto do que há cinco ou dez anos? Sim. Não há uma redução do estigma sobre os temas da saúde mental? Sim. E partilhar as nossas dificuldades e mesmo doenças nesta área não se tornou muito mais comum? Sim. E a procura por psicólogos não tem vindo a aumentar nos últimos anos de forma clara? Sim. Todavia, o caminho a percorrer era muito grande e continua a ter muito por trilhar.
O custo estimado dos problemas de saúde mental aumentou para 6 biliões de dólares a nível mundial até 2030, contra 2,5 biliões de dólares em 2010, de acordo com um estudo publicado pelo Fórum Económico Mundial e pela Escola de Saúde Pública de Harvard. A ser assim, isto fará com que o custo dos problemas de saúde mental possa ser maior do que os custos somados do cancro, da diabetes e das doenças respiratórias.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, o suicídio é a segunda causa de morte em todo mundo para pessoas entre os 15 e os 29 anos. E um em cada cinco anos vividos com um problema de saúde é devido a uma questão de saúde mental.
Mais: 20% das crianças e adolescentes têm um problema de saúde mental. E não, no que concerne, em particular, ao trabalho e às organizações, não é um assunto novo, nem pós-pandémico. Simplesmente passou a ter mais visibilidade e passámos a estar mais conscientes da sua importância. Desde os anos 50 do século passado, com o aparecimento da designação de “coach” para os Psicólogos organizacionais, que assim poderiam ser mais aceites pela redução do estigma que lhes estava associado, até hoje, felizmente muito mudou (infelizmente também com alguma banalização e confusão entre o que é trabalho baseado em evidência científica, muito treino, ao longo de anos e de especialização, alicerçado numa deontologia e hoje em dia regulado, com quaisquer práticas baseadas na aplicação simples de ferramentas e/ ou não baseadas na evidência científica).
O primeiro caso de morte súbita devido ao excesso de trabalho (karoshi) no Japão, foi registado em 1969 (e tem vindo sempre a aumentar). Nos anos de 2008 e 2009, aconteceram 35 suicídios na France Telecom devi – do a assédio moral, com condenação a pena de prisão do responsável máximo da organização. Atualmente, as situações de stresse ou burnout são responsáveis por 50% a 60% do absentismo laboral nas empresas europeias, e segundo a OCDE por perdas equivalentes a 4% do PIB, 600 mil milhões de euros, em 2021.
Em 2023, a Organização Internacional do Trabalho adotou um novo princípio fundamental, precisamente sobre ambientes de trabalho saudáveis. Também em 2023, dados do Eurobarómetro revelaram que 29% da população da União Europeia considera que os riscos psicossociais do trabalho, como o stresse, devem ser uma prioridade na atuação desta para promoção da saúde mental.
Em Portugal, em 2022, o stresse e outros problemas psicológicos asso – ciados ao trabalho causaram, só em custos diretos, relacionados com o absentismo e o presentismo, perdas superiores a 5,3 mil milhões de euros. Só em empresas privadas e não incluindo o sector financeiro.
Estima-se que pelo menos cerca de um terço deste valor poderia ter sido poupado com estratégias de gestão que incorporassem esta preocupação, avaliando sistematicamente os riscos psicossociais e implementando planos de prevenção destes riscos.
O número de artigos em revistas de negócios, empresas e gestão dedicados ao bem-estar e à saúde mental tem crescido exponencialmente, bem como a sua presença nos currículos das escolas de negócios.
Cada um de nós, em algum momento da sua vida, pode sofrer de uma doença mental. E entre a saúde plena e a doença mental há um contínuo. Podemos sofrer em consequência de crises de vida, como divórcios, desemprego e doenças físicas ou mortes de pessoas próximas, ter dificuldade em vivenciar e ultrapassar esses momentos e precisar de ajuda sem estarmos doentes e até para evitarmos ficar doentes.
Por outro lado, a forma como trabalhamos, seja em termos de carga de trabalho, dos horários, das lideranças mais ou menos tóxicas, assédio, stresse, conciliação com a vida pessoal, entre outros riscos psicossociais, é um contribuinte ativo para a nossa saúde mental ou falta dela.
Todavia, se por um lado as organizações reconhecem cada vez mais a importância e impacto desta dimensão para a sua produtividade e competitividade – pelo impacto, por exemplo, que tem na forma como atraem e vinculam talentos ou na gestão do absentismo e do presentismo –, por outro ainda o fazem, muitas vezes, apenas externalizando a resolução dos problemas, centrando-os no indivíduo e não acautelando simultaneamente as questões organizacionais que também podem estar nas suas causas.
Um exercício de mobilização das organizações para serem mais sustentáveis, com pessoas mais saudáveis e por isso mais produtivas, é partilharem as suas boas práticas e o seu esforço para lidarem com este enorme desafio da saúde mental nos locais de trabalho. Para isso, a Ordem dos Psicólogos Portugueses lançou a quinta edição do Prémio Locais de Trabalho Saudáveis, em estreita articulação com a Autoridade para as Condições de Trabalho, inserido na campanha promovida pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho e este ano com o Alto Patrocínio da Presidência da República, para além do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho. É um momento de reconhecimento, através dos prémios e dos selos (algumas dezenas na sua última edição em 2022), e de estímulo para cada vez mais se implementarem melhores práticas organizacionais e de liderança.
Este artigo faz parte do tema de capa Handle with Care – O Poder da Fragilidade publicado na edição de primavera da revista Líder. Subscreva a Líder aqui.