Como docente em Psicologia Positiva, é claro que me alegra ensinar felicidade. Mas, em meu outro papel como pesquisadora científica em saúde mental do trabalhador, vejo o quanto é urgente priorizarmos algumas conversas dentro das organizações. Sim, precisamos falar do mal-estar se desejamos, verdadeiramente, constituir ambientes de trabalho seguros, saudáveis e sustentáveis. E o governo americano entendeu isso muito bem.
Acaba de ser publicado um documento intitulado “Surgeon General’s Framework for Mental Health & Well-Being in the Workplace”, um modelo de promoção da saúde mental e do bem-estar no ambiente de trabalho assinado pelo porta-voz da saúde pública nos Estados Unidos, o médico Vivek Murthy. A justificativa é óbvia, fenómenos como The Great Resignation ou Grande Demissão e o Quiet Quitting ou Desistência Silenciosa evidenciaram severos problemas nos ecossistemas organizacionais. As pessoas simplesmente não querem permanecer.
O modelo americano merece muita atenção. Isso, por duas razões: primeiro porque apesar das distinções entre a economia americana e a economia de outros países do ocidente, como Brasil e Portugal, ocorre espelhamento no comportamento de parte dos trabalhadores, em especial aqueles que têm condições de decidir se desligar ou permanecer sem grandes esforços no emprego. O segundo ponto é a organização de elementos que são trabalhados no Brasil, mas na maioria das empresas de maneira não sistematizada.
O documento traz cinco pilares: Proteção Contra Danos, Conexão e Comunidade, Harmonia Trabalho-Vida, Reconhecimento, Oportunidade de Crescimento. E, ao centro, destaca os elementos Voz do Trabalhador e Equidade. Em 30 páginas, fundamenta a transformação que se faz urgente nos ambientes de trabalho, sob pena de vermos crescer os já alarmantes números dos transtornos mentais e comportamentais e seus consequentes impactos nas famílias, nas empresas e na economia.
No primeiro pilar, Proteção Contra Danos, o framework preconiza a criação de condições para a segurança física e psicológica como bases fundamentais para a saúde mental e o bem-estar no local de trabalho. No pilar Conexão e Comunidade destaca a criação de culturas de inclusão e pertencimento e enfatiza, também, a relevância da confiança e da colaboração entre pares e em equipes. Em Harmonia Trabalho-Vida trata do que, a meu ver, é a ferida exposta no momento no mundo corporativo: autonomia no trabalho, flexibilidade nos horários e respeito ao tempo de repouso e restauração. No quarto pilar, Reconhecimento, traz salários dignos, gestão participativa e cultura de gratidão e valorização. Por fim, em Oportunidade de Crescimento, destrincha as condições necessárias ao desenvolvimento pessoal e de carreira.
Estamos quase às vésperas de 2023, momento propício para que a saúde mental do trabalhador seja inserida nas estratégias mais relevantes para o próximo ciclo. Minha recomendação é que ela ingresse, em definitivo, no portfolio estratégico, no escopo da gestão de riscos e na agenda ESG das corporações.