Como acontece com qualquer tecnologia, a inteligência artificial pode ser utilizada para fins condenáveis, com os inerentes riscos que isso acarreta. De facto, não existe praticamente nenhuma tecnologia que não possa ser usada para o mal, mesmo que originalmente tenha sido desenvolvida com os melhores propósitos ou intensões. No entanto, dado que a inteligência é uma característica única e distinta de todas as outras, levantam-se também questões relacionadas com os riscos causados não pela utilização errada da tecnologia, mas pela própria tecnologia.
Os riscos que advêm da utilização das tecnologias de inteligência artificial por pessoas com o objetivo de obter vantagens económicas, políticas ou pessoais são provavelmente os mais imediatos. Existem também os riscos relacionados com a adoção de mecanismos discriminatórios (enviesamentos) por sistemas treinados em bases de dados com um histórico de decisões enviesadas e discriminatórias.
No que respeita à privacidade, os sistemas de inteligência artificial podem, em princípio, processar e interpretar dados pessoais com uma profundidade sem precedentes e criar modelos extremamente detalhados de cada um de nós. (…)
A identidade dos nossos amigos nas redes sociais, as pessoas com quem contactamos diariamente, o conteúdo dos emails que recebemos, as mensagens que trocamos, os locais por onde passamos e os sites que visitamos, assim como os conteúdos que criamos, fornecem muita informação sobre os nossos interesses, preocupações e tendências. Processado este rasto de informações, torna-se possível que sistemas especificamente desenhados para esse fim antecipem várias das nossas opções pessoais, profissionais e políticas.
Esta erosão da privacidade não é um risco futuro, mas sim um facto do presente. (…) De facto, o desejo de privacidade entra em conflito direto com a vontade de utilizar serviços que, para serem úteis, necessitam dos nossos dados, sejam esses serviços de navegação, de procura de informação online ou de compra de produtos através de plataformas comerciais na internet.
É assim muito provável que a esmagadora maioria dos consumidores acabe por renunciar a grande parte da sua privacidade em troca dos benefícios resultantes do uso de plataformas amplamente utilizadas.
A utilização de sistemas de inteligência artificial como veículos de desinformação, criando e propagando notícias falsas, sob a forma de texto, de gravações de som, imagens ou vídeos, é um risco real. Embora a desinformação sempre tenha existido e tenha adquirido novos contornos com tecnologias como os jornais, a televisão por cabo e a internet, a inteligência artificial coloca desafios de outra magnitude.
Por outro lado, a inteligência artificial permite personalizar conteúdos de forma até agora inatingível em grande escala. Essa personalização pode ser usada tanto na desinformação massiva (por exemplo, criando e propagando notícias falsas, adaptadas à natureza de cada pessoa), como na execução de fraudes em que as vítimas recebem mensagens multimédia fraudulentas personalizadas. Esta utilização com fins maliciosos da inteligência artificial é seguramente um dos maiores e mais imediatos riscos da tecnologia. A manipulação de opiniões políticas, recorrendo ou não a desinformação, é outro risco significativo e imediato. Mais uma vez, este tipo de manipulação não é uma novidade, dado que os Media sempre foram utilizados para divulgar propaganda política, frequentemente desrespeitando as regras. No entanto, a possibilidade de a inteligência artificial personalizar este tipo de informação com base nas características de cada pessoa levanta um novo conjunto de desafios.
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A inteligência artificial traz consigo ainda riscos de desestabilização do sistema económico. (…) Os estudos e projeções existentes divergem bastante no que respeita quer à profundidade da transformação económica resultante da adoção das tecnologias de inteligência artificial, quer à natureza das profissões que sofrerão maior impacto, assim como quanto ao número e natureza dos empregos que serão criados.
No entanto, parece consensual que a adoção destas tecnologias trará novas necessidades de formação para as pessoas afetadas por estas transformações e que poderão ser necessárias novas abordagens à redistribuição da riqueza criada, por exemplo através da adoção do rendimento básico universal, que garanta uma vida digna a todos os cidadãos, independentemente de terem ou não emprego.
Este artigo foi publicado na Aprender Magazine, suplemento da revista Líder nº 29, sob o tema Incluir. Subscreva a Revista Líder aqui.