A palavra “vulnerável” tem origem na palavra vulnus, que em latim significa “ferida”, e a expressão vulnerabilidade é encontrada pela primeira vez no final do século 17. Ser vulnerável é hoje descrito como aquilo ou aquele «que, ou por onde, pode ser ferido», «que tem poucas defesas», «frágil».
Também no léxico tecnológico é usada a expressão vulnerabilidade para caracterizar um sistema, computador ou software, passível de falhas que o enfraquecem aos olhos de um esperado nível de segurança e robustez operativa.
É difícil não deixar de referir esse imaginário, muito rico na ficção, da capacidade de a máquina sentir e ser “atingida” pela fragilidade. Roy Batty, o malicioso replicant humanoide interpretado por Rutger Hauer, em Blade Runner (1982), protagoniza a mítica cena final do filme, onde também ele sente a “ferida” e tem as mesmas dúvidas existenciais dos Homens.
Por agora, o foco está na característica humana de ser vulnerável – aquela que por excelência nos distingue, por enquanto, das máquinas.
O poder da vulnerabilidade
Juntar à vulnerabilidade a ideia de coragem, e atribuir-lhe um significado de poder, ao invés de um sinal de fraqueza, foi um primeiro salto dado por Brené Brown. A investigadora da Universidade de Houston, e autora do livro Daring Greatly: How the Courage to Be Vulnerable Transforms the Way We Live, Love, Parent, and Lead, enfatiza que a vulnerabilidade não é uma fraqueza, mas sim «a nossa medida mais precisa de coragem». “Poder da Vulnerabilidade” é o nome da sua TED Talk, um vídeo que há 13 anos circula pelo Youtube, com milhões de visualizações, e onde a autora defende que no centro das nossas experiências humanas com maior significado está a vulnerabilidade.
Passou seis anos a estudar os relacionamentos e a tentar perceber o ingrediente que ao longo da sua investigação surgia como um fator crítico que desvenda e resolve a vergonha e o medo. O sentimento de «não sou suficientemente bom» ou «posso estar a ser posto em causa», é resolvido quando nos permitimos «ser vistos como somos» – expondo as nossas falhas. Aqui reside o poder da vulnerabilidade.
A esta capacidade da pessoa junta-se o conceito de autenticidade que é «a coragem de ser imperfeito, a compaixão consigo próprio, em primeiro lugar, e depois com os outros, ser-se quem é, em vez do que é esperado que se seja». No topo ainda se coloca um outro traço dos vulneravelmente poderosos – é que estas pessoas «acreditam que o que as torna vulneráveis torna-as belas». Abraçam a vulnerabilidade, não a julgando confortável, ou dolorosa (como no caso da vergonha), mas como sendo necessária.
O que nos faz sentir vulneráveis?
Fazer algo sem ter garantia que vá dar certo, ser o primeiro a dizer “amo-te”, ser despedido ou ter de despedir pessoas, são parte das situações onde Brené Brown encontrou a vulnerabilidade poderosa.
Numa curta pesquisa, feita através das redes sociais, também perguntamos «Que situações o fazem sentir vulnerável?». Fazer um exame médico, uma cirurgia, a nudez, o escuro, a quebra de confiança, a incerteza sobre o desfecho de uma situação, a perda de foco, a falta de empatia, ser contrariado em momentos de tensão, a sensação de abandono, foram algumas respostas. Para além disso, referiu-se que a situação de vulnerabilidade também serve de “alavanca para arregaçar as mangas”.
E é nesta inversão de força que está a potência da vulnerabilidade. Conforme conclui Brené Brown, «a vulnerabilidade é o centro da vergonha, do medo, e da luta pelo mérito, mas também é a fonte da alegria, da criatividade, da integração, e do amor». Em junho de 2010, no momento em que gravou a Talk, a autora lançou um alerta, que parece ser ainda muito atual. Por natureza, o ser humano entorpece e insensibiliza (em inglês numb) a vulnerabilidade. Lutamos contra ela.
E ao insensibilizar a vulnerabilidade estamos também a dessensibilizar a alegria, a gratidão, a felicidade. Isso traz infelicidade, faz querer tornar tudo o que é incerto, certo. Procura-se uma vida perfeita, finge-se que o que se faz não afeta as pessoas, quer seja pessoal ou profissionalmente.
Líderes vulneráveis
Expor-se, ser “vulneravelmente exposto” é uma atitude de liderança. Liderar com vulnerabilidade requer uma disposição para abandonar a necessidade de controlo, ouvir e partilhar os próprios desafios e medos.
Simon Sinek, o aclamado autor de Leaders Eat Last: Why Some Teams Pull Together and Others Don’t, afirma que os líderes vulneráveis e dispostos a partilhar as suas fraquezas e desafios, criam nas suas equipas um sentimento de segurança e confiança, o que leva a uma maior colaboração, criatividade e sucesso.
Os líderes que estão dispostos a admitir os seus erros têm mais probabilidades de contribuir para um ambiente onde os restantes membros da equipa se sintam confortáveis em partilhar as suas questões e aprender com as experiências uns dos outros.
Tal é enfatizado por Patrick Lencioni, no seu livro The Five Dysfunctions of a Team: A Leadership Fable, onde conclui que tal atitude leva as organizações a uma maior inovação, produtividade e sucesso.
Estar presente, ser honesto e transparente, capaz de criar um espaço seguro, onde se incentiva a escuta aberta e ativa, aceitar o fracasso e admitir o erro, ser autêntico. Que cada zona de fragilidade e de possível ferida seja uma oportunidade de crescimento e de aprendizagem, ou, no final, a simples confirmação de que estamos vivos e somos humanos.
Este artigo foi publicado na edição de primavera da revista Líder, que tem como tema Handle with Care – O Poder da Fragilidade. Subscreva a Líder aqui.