Há dois anos, escrevi na Líder que, se queremos melhorar a natureza ética das organizações, precisamos de nelas acolher mais crianças – presencialmente, ou através de medidas de gestão que as considerem com stakeholder importante. Hoje é “Dia” de voltar ao tema. Muitas organizações apregoam ser “amigas da família” – mas são raríssimas as que se denominam “amigas das crianças”. É estranho que as empresas tenham políticas amigas dos cães (e de outros animais de estimação), e aceitem a presença destes nas instalações – mas sejam bastante menos amigáveis relativamente à presença de crianças. O insólito é reforçado perante o inverno demográfico que assola muitos países e pode gerar desequilíbrios nos sistemas de segurança social e no mercado de trabalho. O tema “crianças” está sub-representado nas narrativas sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Confesso que não estou certo de quais serão os formatos mais apropriados para assegurar a presença de mais crianças nas organizações. Mas socorro-me, novamente, do exemplo da Nova Zelândia, onde existe um Ministério para as Crianças. Em 21 de junho de 2018, Jacinda Ardern, a primeira-ministra, deu à luz uma menina, registada como Neve Te Aroha. Jacinda havia tomado posse no cargo poucos meses antes. Foi a segunda vez na história que uma chefe do governo deu à luz durante o mandato, a primeira tendo sido Benazir Bhutto, então líder do Paquistão. Três meses após o parto, Jacinda participou na 73ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, fazendo-se acompanhar da filha. Durante as suas intervenções, a criança ficou ao colo do pai, Clarke Gayford. Foi a primeira mulher a fazê-lo. Jacinda explicou que pretendia abrir caminho para outras mulheres e reafirmou pretender que a Nova Zelândia fosse o melhor país do mundo para ser criança. Em algumas ocasiões oficiais, a filha acompanha-a.
Na Nova Zelândia, condutas deste teor são menos incomuns do que possa supor-se. Em 2017, o Parlamento neozelandês criou regras mais amigáveis para a presença de crianças no espaço parlamentar. O seu speaker, Trevor Mallard, com três filhos adultos e seis netos, deu o exemplo quando tomou ao colo o filho de um deputado e alimentou o bebé através de biberão – ao mesmo tempo que pedia ordem durante o debate. Publicou os seus “dotes” cuidadores num tweet. Não foi a primeira vez que, na cadeira presidencial, tomou ao colo uma criança. Pedidos têm sido feitos pelos neozelandeses para que esta possibilidade seja replicada nos locais de trabalho em geral.
As vantagens potenciais de trazer crianças para as organizações são enormes. A sua presença inibiria as lideranças de tomar algumas decisões humana e eticamente questionáveis. O bullying e diversas outras formas de assédio seriam menos prováveis. Não submeteríamos as crianças a ausências tão prolongadas dos progenitores. Talvez diminuíssemos sentimentos de culpa de pais e mães. Naturalmente, há riscos – e um deles seria a apropriação, por empresas mais instrumentalizadoras, de mais uma faceta das vidas dos membros organizacionais. Mas, pelo menos, conviria que refletíssemos sobre a matéria. As nossas sociedades e as nossas organizações tornaram-se de tal modo focadas na eficiência e no “crescimento” que, na caminhada, esquecemos que todos fomos crianças – e que as crianças de hoje serão as lideranças e os adultos de amanhã. No Dia Internacional da Criança, ocorre-me que o processo formativo das crianças talvez ficasse enriquecido se as organizações fossem realmente mais amigáveis para com elas e afixassem o poema de António Gedeão no centro dos seus valores declarados e praticados:
“Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.”