“Era um excelente ouvinte, uma qualidade que impressionava fortemente tanto os seus colegas quanto os interlocutores. Embora não fosse eloquente, falava cuidadosa e claramente após muito pensar. Contrariamente aos seus rivais, não parecia distante das bases. Ainda que as pessoas admirassem o intelecto e a eloquência dos seus rivais, procuravam a sua liderança quando se tratava de política”.
Ler esta descrição conduz-nos, quase automaticamente, à imagem de um líder empático, respeitador e respeitado. Afinal, a capacidade de escuta é uma qualidade essencial que frequentemente se atribui às boas lideranças. Escutar os outros veicula interesse e respeito por aquilo que eles pensam e sentem. É uma demonstração de reconhecimento pelas qualidades e contributos das outras pessoas. É um sintoma de inteligência emocional. Capacita o/a líder para recolher ideias e sugestões que permitam tomar melhores decisões. Stop! A descrição acima foi usada para caraterizar um facínora, sanguinário e implacável autocrata: Estaline. Nascido “Iosif Dzugashvili”, contraiu em adulto o cognome “Stalin” para se definir e ser encarado como “homem de aço”. Era desprovido de sentimentalidade. Escutava para prosseguir a sua cruel agenda ditatorial, perseguir e destruir quem quer que revelasse a mais pequena réstia de resistência ou discordância.
Socorro-me deste ilustrativo caso para sinalizar duas ideias. Primeira: a capacidade de escuta e a inteligência emocional podem ser trunfos essenciais de uma boa e virtuosa liderança. Mas podem também ser usadas para manipular, escravizar e destruir. Segunda: quando analisamos líderes, nunca devemos ater-nos a caraterísticas isoladas. Importa, antes, que adotemos uma visão holística e prestemos atenção à forma como a pessoa combina várias caraterísticas. Ser humilde é uma caraterística importante na liderança. Mas conheço pessoas humildes que jamais desejaria ter como líder – pois são deficitárias em competência, empatia, determinação ou coragem.
Argumento similar pode ser usado para qualificar a perseverança. Ser perseverante é essencial para exercer boa liderança. Mas, sem a companhia da sensatez, da humildade, da empatia e da compaixão, a perseverança pode ser destrutiva. Richard Fuld, que foi CEO do defunto Lehman Brothers, era um homem profundamente determinado. Em 2007 afirmou: “Enquanto eu for vivo, a instituição jamais será vendida. E se for vendida após a minha morte, erguer-me-ei da minha sepultura para impedir que isso ocorra.”
Mas, além de determinado, Fuld era arrogante, soberbo e destituído de humildade. Era rotulado como “gorila de Wall Street”. Foi assim caraterizado: “Como CEO do Lehman Brothers, Richard Fuld recusou-se a escutar os membros da sua equipa ou confidentes externos. O secretário do Tesouro Hank Paulson avisou-o quarenta vezes de que o banco estava sobre-alavancado e precisava de ser capitalizado. Quando Paulson pediu aos maiores bancos para desenvolverem planos que salvassem o Lehman, Fuld estava no seu gabinete, em negação acerca dos problemas do banco. Quando, três dias depois, o Lehman declarou falência, os empregados perderam os seus postos de trabalho, os clientes os seus recursos, e os acionistas os seus investimentos. Como resultado, os mercados financeiros mergulharam numa crise, e todo o país teve de pagar pelo solipsismo de Fuld.”
Uma visão holística é, pois, crucial para que tomemos melhores decisões de seleção, promoção, contratação e, já agora, de eleição de líderes. Há uma certa predileção, nesses processos, para prestar atenção a qualidades positivas como a determinação, a autoconfiança, o autocontrolo emocional, e a capacidade de bem falar e escutar do/as candidato/as. Mas esses atributos podem caraterizar tanto as melhores quanto as piores lideranças. A história, tanto a política quanto a empresarial, está repleta de lideranças determinadas, autoconfiantes, emocionalmente autocontroladas, pródigas na escuta e bem-falantes – que usaram essas qualidades para finalidades perversas.
O facto de um/a líder político/a dizer “duras verdades” e, aparentemente, ser autêntico/a é pouco relevante para aferirmos das suas genuínas preocupações com as necessidades e os interesses dos cidadãos. Eis, pois, a lição: como cidadãos, eleitores, liderados, observadores ou responsáveis por escolher, votar e selecionar liderança, importa prestar atenção ao “conjunto” de qualidades reveladas por quem pretende ser, ou é, líder. Naturalmente, esse é um desafio exigente. Requer reflexão, esforço, estudo e a capacidade para desconfiar de chavões sobre os atributos das (boas) lideranças. Reza um velho ditado algo como isto: quando quiser comprar um cavalo, preste mais atenção ao animal do que àquilo que que o dono dele diz!